Todo torcedor de futebol fica eufórico quando seu time contrata um goleador badalado. É sinal de que seu clube está prestes a celebrar muitas vezes o maior objetivo no esporte: os gols. O mesmo não pode ser dito sobre goleiros. Menos prestigiados, precisam ser seguros e infalíveis, mesmo sem a mesma atenção da torcida. Até que vem a Copa do Mundo, e cada posição é alvo de um atento escrutínio. O goleiro, particularmente, ganha em importância, como se em suas mãos estivesse o futuro do país.
Júlio César em ação contra a Itália em junho, em Salvador. Ele agora defende as cores do canadense Toronto FC (Foto: William Volcov/Brazil Photo Press)
Salvo algum grave imprevisto, o Brasil entrará em campo no dia 12 de junho, no Itaquerão, diante da Croácia, com Júlio César sob suas traves. Há motivo para preocupação. Além da triste memória de sua falha contra a Holanda, no último Mundial, Júlio César tem hoje, aos 34 anos, pouco ritmo de jogo. Negligenciado no Queens Park Rangers, rebaixado para a segunda divisão inglesa no ano passado, ele buscou emprego em várias equipes grandes, sem sucesso. Acertou em fevereiro com o inexpressivo clube canadense Toronto FC, que atua na MLS, a liga americana. Para defender sua insistência em lhe dar a camisa 1, o técnico Luiz Felipe Scolari comparou a escolha a outra transferência. “Em 1994, Taffarel também saiu do Parma e foi para o Reggiana”, afirmou. Mesmo desprestigiado no Parma, a decisão de defender uma equipe de menor porte para garantir ritmo de jogo foi criticada. O técnico Carlos Alberto Parreira não deu ouvido. Manteve Taffarel titular, e ele brilhou na disputa de pênaltis que deu o título ao Brasil. “Estava torcendo para que Júlio saísse da equipe inglesa”, afirmou na semana passada Taffarel, atualmente treinador de goleiros do Galatasaray, da Turquia. “Agora ele começou a jogar e treinar de verdade.” Marcos, titular no pentacampeonato em 2002, concorda. Em evento em São Paulo, afirmou que a experiência de já ter disputado um Mundial fala mais alto que o momento técnico.
A fragilidade no gol pode ser determinante numa competição curta, como a Copa. Em 1970, o goleiro inglês Gordon Banks mostrou todo o seu valor ao defender uma venenosa cabeçada de Pelé à queima-roupa. Para azar dos ingleses, Banks desfalcou sua seleção nas semifinais. Com Peter Bonetti em seu lugar, a Inglaterra foi eliminada pela Alemanha Ocidental, depois de abrir uma vantagem de dois gols e levar três. Franz Beckenbauer disse que Banks provavelmente teria defendido seu gol. A estripulia do extravagante goleiro René Higuita, que tentou driblar o camaronês Roger Milla, tirou a Colômbia da Copa de 1990. Na Euro 2008, o até então quase perfeito Petr Cech, da República Tcheca, soltou uma bola no pé do turco Nihat Kahveci, após um cruzamento. O gol deu o empate à Turquia, que ainda encontrou tempo para virar antes do apito final e desclassificar os tchecos.
Nos Mundiais vencidos pelo Brasil, nem sempre os goleiros foram unanimidade – e isso não impediu a conquista do torneio. O Taffarel de 1994 não foi o único a provocar dúvidas. Em 1970, o Brasil de Pelé, Rivellino, Tostão e Jairzinho foi tricampeão com um contestado Félix no gol. Goleiro do Fluminense, de costeletas tão famosas quanto suas defesas, Félix deu um susto no Brasil na semifinal, contra o Uruguai. Aos 19 minutos de jogo, mal colocado, ele sucumbiu a um chute defensável do atacante Luis Cubilla. Clodoaldo, Jairzinho e Rivellino, com um gol cada um, tiraram o peso das costas de Félix. Na final, contra a Itália, uma saída suicida de Félix numa falha da defesa permitiu o gol dos italianos. Novamente, o ataque brasileiro conseguiu remediar, com três gols – e o título.
Na Copa de 1982, Waldir Peres deixou o Brasil atônito ao tomar um frango na estreia, contra a União Soviética. Como em 1970, o ataque recuperou terreno e levou a Seleção à vitória, por 2 a 1. Nada que tenha impedido a Seleção de encantar o mundo, apesar de depois superada pela Itália. Preocupados com Júlio César, neste ano os torcedores brasileiros esperam ter uma boa dose de segurança sob as traves. Se não vier, ainda dá para ser campeão sem ela.
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