A movimentação para costurar alianças e conquistar espaço na disputa eleitoral do ano que vem abriu a temporada do vale-tudo na política. Vale assumir cargos de destaque em governo tucano e petista ao mesmo tempo, como fez Gulherme Afif (PSD), vice-governador de São Paulo, que assumiu o Ministério de Micro e Pequenas Empresas. Vale também abrir mão de uma proposta defendida no Parlamento e se aliar a adversários, como foi a atitude do PSDB na tramitação da MP dos Portos. E vale até esquecer rixas históricas, marcadas por trocas de acusações e xingamentos ao longo de décadas, como está se desenrolando na Bahia, onde PT e DEM caminham a passos largos para a união na campanha do ex-aliado de Antônio Carlos Magalhães e atual vice-governador em uma administração petista, Otto Alencar (PSD). Para cientistas políticos, situações que deixam o eleitor confuso e até decepcionado com as escolhas de seus representantes, mostram a falta de ideologia partidária.
“De forma mais clara e acintosa hoje, os políticos têm se mostrado em vários lados ao mesmo tempo. É uma época de confusão, um espetáculo de máscaras no jogo político, em que ninguém sabe quem é quem”, afirma o analista político Gaudêncio Torquato. Ele explica que negociações entre atores políticos que buscam chegar ao poder ou se manter lá são comuns em qualquer regime democrático, mas que mudanças de lado e acordos antes considerados improváveis têm sido mais frequentes no Brasil. “Tomar uma posição que pode criar embate se tornou caso raro, porque todo mundo quer pôr um pé em uma canoa e outro pé fora dela”, diz.
Um dos casos que mais causaram indignação na oposição ao governo Dilma Rousseff foi a posse de Guilherme Afif Domingos (PSD), atual vice-governador de São Paulo, na pasta da Micro e Pequena Empresa. Líderes da oposição avaliaram o fato como o “fim das ideologias”. “Quando comecei minha vida política, tinha a ditadura como inimiga bem clara, explícita, e aliados definidos. Agora já não sei mais quem está aqui ou ali. Hoje é uma coisa, amanhã é outra”, reclamou o vice-presidente do PSDB, Alberto Goldman.
Para Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), o caso de Afif é curioso por sua trajetória particular, marcada por críticas às administrações petistas. Entretanto, ele ressalta que a situação foi criada pelo partido dele, o PSD. “Desde o nascimento, em 2011, a legenda deixou claro que não era nem governo nem oposição, nem direita nem esquerda”, explica.
Obstrução tucana Se a chegada de Afif ao ministério foi criticada pelo PSDB, na semana seguinte foi a vez de os tucanos virarem alvo, ao tentarem barrar a Medida Provisória dos Portos, cuja aprovação era defendida por eles antes como importante para o país. Com a divergência interna na base aliada e as acusações de que a negociação entre parlamentares e ministros virou um balcão de negócios, a posição dos tucanos mudou. Aproveitando a chance de aumentar o desgaste do governo, se juntaram ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aliado que jogou contra os interesses do Planalto.
“O PSDB defende desde 1996 o plano de desestatização dos portos. Até a semana passada, o PSDB ia votar sem obstrução, mas com essas denúncias não é mais possível”, admitiu o líder do partido na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP). Só depois de grande mobilização da base aliada a MP foi aprovada.
“As mudanças de posições, até mesmo em relação a projetos de lei, acabam se ligando muitas vezes a situações momentâneas, em que acordos e alianças são rompidas e parlamentares acabam fazendo escolhas de acordo com suas perspectivas futuras”, diz Cláudio Couto. Ele lembra que em períodos próximos às eleições esses movimentos se tornam comuns. “Os picos de mudanças são comuns no primeiro ano de um novo governo, quando ocorre grande adesão de partidos, mas também no terceiro ano, quando todos se reposicionam de olho no ano seguinte. É o que estamos percebendo agora”, avalia.
De rivais a aliados
Já as recentes conversas entre petistas e democratas na Bahia para uma possível aliança na disputa pelo governo do estado em 2014 surpreende até mesmo quem já viu muitas reviravoltas na política. No início do mês, líderes do DEM no estado consideraram o nome de Otto Alencar (PSD) – vice do governador petista Jaques Wagner e antigo aliado de Antônio Carlos Magalhães (ACM) – uma boa opção para as duas legendas. Segundo o ex-presidente estadual do DEM e secretário de Urbanismo de Salvador, José Carlos Aleluia (DEM), Alencar poderia criar “um fato novo na política” positivo para os dois lados.
“A negociação que começou a se desenrolar na Bahia é um caso mais claro de incoerência política, porque coloca em um mesmo lado grupos com rivalidades históricas”, diz Cláudio Couto. Ele ressalta que tem sido cada vez mais comum a troca de papéis: “Assim como o PSD, que tem ficado no meio de situações estranhas, temos partidos mais antigos que também deixam o pé em dois lugares ao mesmo tempo, como é o caso do PR, PTB e PP”.
Ele cita a aliança entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) na eleição municipal do ano passado. “Eles se juntaram em defesa de um candidato a prefeito de São Paulo, o Fernando Haddad (PT), e a parceria chamou atenção, já que eram antigos desafetos, mas a verdade é que o PP já estava apoiando o governo Lula desde 2003. O que faltava era só a foto dos dois ex-rivais”, diz Couto.
Reforma Em meio ao vale-tudo político, especialistas apontam a reforma política como única alternativa para recuperar posições ideológicas no Brasil, apesar de considerar sua aprovação improvável. “Esse samba do crioulo doido só será resolvido com a reforma política e dos partidos. Algo que fizesse com que os grupos voltassem a ter disciplina partidária e posições ideológicas. Porém, é uma mudança difícil de ser implementada. O amalgamento doutrinário já tomou conta e novas surpresas continuarão aparecendo”, prevê o analista político Gaudêncio Torquato.
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