DORA KRAMER – O Estado de S.Paulo
Bancada governista de 423 deputados fazendo contagem regressiva para alcançar quorum de votação da redação final de medida provisória depois de dois dias e duas noites de tentativas, realmente, é uma cena em tudo e por tudo paradoxal. Governo forte no Congresso não faz contagem de conta-gotas de votos.
A menos que a situação expresse, como na manhã de ontem na Câmara, a falência talvez ainda não do sistema de coalizão, mas certamente da metodologia empregada para o manejo do mastodonte.
“É uma festa estranha com gente esquisita”, disse em determinado momento um deputado ao microfone de apartes em que se revezavam governistas ora implorando aos correligionários que registrassem suas presenças, ora apelando à oposição que abrisse mão de seu direito regimental de obstruir a votação.
Como se os oposicionistas com seus 90 deputados tivessem alguma coisa a ver com a evidência de que os aliados do governo não conseguiam ou não queriam fazer valer a vantagem de 166 parlamentares existente entre o quorum necessário (257) e o tamanho da base (423).
Mesmo alvo de ironias por causa de sua insignificância numérica e inferioridade política, a oposição já ajudou o governo em outras ocasiões.
Arcou com o ônus de ser vista como condescendente e, portanto, sem vocação para o exercício do contraditório na medida necessária para levá-la a condições razoáveis de competitividade eleitoral. Em resumo algo chulo: é tida como frouxa.
No caso da MP dos Portos não foi. Na Câmara nem no Senado, onde, contudo, a resistência oposicionista deveu-se a outro tipo de deformação gerada no campo situacionista: a transformação da Casa revisora em cartório de ofício com requintes de humilhação.
Os deputados oposicionistas enxergaram uma janela de oportunidade na troca de acusações entre governistas sobre o conteúdo da emenda e se utilizaram do clima de suspeição para justificar a obstrução a uma medida que, no conteúdo, não se confrontava programaticamente com o PSDB e o DEM. Ao contrário, os tucanos haviam anunciado apoio antes de os atritos entre situacionistas terem aberto espaço à obstrução.
O que mudou no ânimo oposicionista? Há todas as distorções desse processo em particular. Mas não se pode desconsiderar, nesse quadro, a influência da abertura da temporada eleitoral.
O governo e o PT quiseram antecipar a campanha a fim de reafirmar a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição e interditar os caminhos dos adversários. Os partidos que pretendem disputar com o PT em 2014 captaram a mensagem e anteciparam também seus movimentos.
De onde é natural que se reduza automaticamente o espírito colaboracionista, notadamente naqueles de marcada oposição. Eles ficam atentos a todas as chances de marcar posição, impor derrotas – se não numéricas, políticas – ou criar constrangimentos ao governo.
Nesse caso, a oposição valeu-se de um dos ensinamentos da arte da guerra: usar a força do inimigo contra ele, sabendo identificar e explorar seus pontos fracos. Por essa “lei”, é o próprio adversário quem oferece a oportunidade para derrotá-lo. A metodologia rude da Presidência e a improdutividade de seu latifúndio na Câmara abriram esse espaço.
Aprovado o texto-base, os conflitos internos – expostos em acusações de petistas ao presidente da Câmara, visto como generoso demais com a oposição – fizeram com que a MP chegasse ao Senado 12 horas antes do prazo fatal.
O zombeteiro afogadilho suscitou a discussão de um tema que resultará em novas fissuras: o rebaixamento institucional dos senadores, usados como funcionários de departamento carimbador das decisões da Câmara e das vontades do Palácio do Planalto.
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