Por Humberto Pinho
da Silva
Nos derradeiros anos da década
de setenta, convidaram-me a cear em Alto de Pinheiros, pacato bairro paulista,
em casa de parentes.
Era uma bela moradia cercada de
luxuriante jardim, tipo inglês, mosqueado de miudinhas flores encarnadas.
A ampla sala de jantar, quando
cheguei, estava decorada para a festa. Na grande mesa de jacarandá, havia alva
toalha adamascada, e sobre ela, pratos de porcelana branca, com arabescos a
ouro, ladeados de lustrosos talheres de prata.
Ao centro, o vistoso vaso de
faiança de Alcobaça, transbordava de fruta fresca, rodeado de garrafas de vinho
chileno, guaraná, e muito suco de maracujá.
Suaves e delicados vapores
perfumados enchiam o ar: aromas a canela e açúcar caramelizado, à mistura com o
gostoso cheirinho de cozido de castanhas, batata, e de bons lombos de bacalhau,
que me disseram ser de Portugal, mas importado da Noruega.
Chegavam da cozinha leves
sussurros de vozes nordestinas e agudos risinhos de crianças. De súbito,
revoada de gurizinhos travessos, à compita, rompeu pela sala, desaguando no
adormecido jardim, onde imponente abeto, de largos frondes, feericamente
engalanado de vistosas lâmpadas coloridas, comunicava, aos transeuntes, que era
noite santa, a santa noite de Jesus.
Entreguei caixa de vinho verde,
alvarinho, e outra de saboroso vinho fino – o “Porto” que não pode faltar na
ceia de família portuguesa, – e acomodei-me junto ao ancião, que embebido,
assistia ao “ Direito de Nascer”, novela que a “Globo”, com sucesso de
audiência, transmitia.
Conversamos de outros natais;
de natais de outrora; do bolo-rei, doce que o idoso, que saíra do Porto, em
1913, desconhecia.
Estávamos em doce cavaqueira,
quando confidenciou-me o seguinte:
Nos anos trinta, pelo Natal, a
família aconchegava-se à volta da mesa. Vinham tios, irmãos, primos e mais
primos, alguns de muito longe. Apinhava-se a casa com festa rija, que terminava
altas horas. Nesse tempo a cidade de São Paulo era tranquila. Ninguém receava atravessá-la,
mesmo noite dentro.
Após a ceia, Papai Noel,
vestido de encarnado, entrava, segurando grande saco de serapilheira. Dele
saíam, como coelhos da cartola de mágico: bicicleta para menino, boneca para
menina, brinquedos sem conta, e roupa de marca.
Um dia a filha Helena, que era
excelente aluna, pediu-lhe uma bicicleta; prenda demasiada para a pobre bolsa.
Comprou-lhe, nesse Natal, gracioso vestidinho de organdi, azul celeste. Na hora
da distribuição, coube a garotinha, sua sobrinha, moça sapeca, nada aplicada ao
estudo, garrida bicicleta, que faiscava, reluzindo na intensa iluminação da
sala.
Helena cravou a vista no
velocípede, atirando-lhe olhinhos de censura, indignada.
À saída, voltando-se para o
pai, desabafou com raiva:
- Papai Noel é muito injusto.
Pedi-lhe uma bicicleta e dá-me vestidinho!
Com os olhos humedecidos, o
idoso, murmurou tristemente:
- Foi o último Natal em
família! Como é difícil o pobre conviver com o rico!
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