Como costumava fazer, o ajudante de caminhoneiro Wanderson Pereira dos Santos, 30, deixou na noite do sábado 16 sua casa humilde, quase de beira de estrada, para comprar uns poucos mantimentos para alimentar o tio deficiente mental. Na volta, encontrou a morte na forma de uma Flecha de Prata, apelido universal dos carrões acinzentados Mercedes. A seta motorizada de R$ 2,7 milhões que espatifou seu corpo era dirigida por Thor Batista, herdeiro do homem mais rico do Brasil, sétimo do mundo. Se morresse como o ajudante de caminhoneiro, quem sabe num acidente do mesmo tipo – sempre cercado por seguranças, Eike é também um ciclista – o bilionário teria lançado em seu espólio algo como R$ 50 bilhões de reais. Entre os seus, Wanderson vai somente deixar saudades, ele que, a exemplo de milhões de brasileiros, não tinha posses.
Sua vida era, como a de tantos, uma repetição. Em muito parecida com a descrita por Chico Buarque em Construção, de 1971. Wanderson devia atravessar “a rua com seu passo tímido” e agradecer a Deus por lhe deixar “respirar”, por lhe deixar “existir”. Sabe-se que era humilde, respeitador das regras sociais, atento à família. No mesmo paralelo do operário que “ergueu no patamar quatro paredes sólidas”, ele também vivia do trabalho braçal, trocando pesados pneus, sujando-se de graxa e poeira. Como o personagem de 41 anos atrás, agora mais que presente, também Wanderson “morreu na contramão atrapalhando o sábado”. O sábado da elite. Thor teria ao chegar o desfrute de uma festa que estava sendo dada por seu irmão Olin, para 150 pessoas.
A verdade que se tenta encobrir com as versões de Eike e a omissão de seu até aqui mudo filho mais velho, visa resultar na transformação do ajudante de caminhoneiro de vítima fatal em principal culpado de sua própria morte. Uma manobra com requintes de crueldade. Com a mesma determinação demonstrada por Thor e os dois homens que o acompanhavam no carro de, até aqui, não abrir a boca sobre o que de fato aconteceu, Eike aninhou-se no twitter para pilotar pessoalmente a sua versão sobre o fato. Ele já determinou que o ciclista foi colhido quando pedalava pela segunda pista, a de ultrapassagem, em lugar do acostamento, como sustenta a família. Também disse que, apesar da falta de confirmação da perícia, ela foi sim feita pela polícia, apesar de o carrão ter sido liberado logo após a morte de Wanderson. Agregou que o filho, em todo o episódio, teve comportamento “exemplar”. Isso tudo é verdade? Antes que apareça o laudo da perícia sobre o acidente e uma reconstituição seja feita, não é possível saber. Mas como vem do, em tese, maior representante da elite brasileira, tende a colar como se verdade fosse. Terá razão, nesse caso, o povo, que usa desde sempre uma mesma frase para projetar o desfecho de situações que envolvem diretamente um rico suspeito e uma pobre vítima: não vai dar em nada, vai ficar tudo por isso mesmo. De http://brasil247.com/
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