Na Bahia, mais de 11,2 milhões de eleitores estão aptos a votar em outubro
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Vitória da Conquista já chegou até a bater recorde inédito com 100% de voluntários nas eleições
Enquanto há gente que ainda tem receio de chegar na seção eleitoral e acabar convocado para trabalhar ali na hora, é cada vez maior o número de pessoas que se candidatam de forma voluntária para exercer a função de mesário. Folga dobrada a cada dia trabalhado, critério de desempate em concursos públicos e para os universitários, a compensação de carga horária extracurricular. Tem também direito a receber auxílio-alimentação no valor de R$ 60. E se o pleito partir para o segundo turno, não é impossível somar aí, pelo menos, uma semana de folga. Sim, você nem imaginava que gostaria de ser mesário.
Correio 24Hs
Só a administradora e servidora municipal Albeny Gomes, 64 anos, já foi mesária voluntária oito vezes, no município de Vitória da Conquista, no centro-sul da Bahia. “Desde que entrei na faculdade, trabalho como mesária. Só fiquei fora nas últimas eleições, mas retornarei agora para mais um pleito municipal. Gosto da movimentação. Participar na recepção dos votos é uma forma de colaborar com o processo eleitoral”, conta a funcionária pública, que vê com frequência parentes e amigos se cadastrando voluntariamente.
E não por um acaso é justamente o município de Vitória da Conquista que ocupa a primeira posição do ranking de cidades do interior do estado com maior número de mesários voluntários nas eleições desse ano. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), até a quinta-feira (29), as cidades com maior quantidade de mesários que querem trabalhar nas eleições por vontade própria são Conquista com 2.655 mil, Feira de Santana (2.509), Camaçari (1.180) e Eunápolis (986).
Ainda de acordo com o TRE-BA, nas eleições de 2020 quase a metade dos mesários em Vitória da Conquista foi de voluntários (44%), percentual que só não foi maior do que o de Salvador, com 53%. No geral, a Bahia teve 64.126 mil mesários voluntários. “A diferença é que em Conquista, o pessoal do cartório eleitoral se empenhou mais em ir em busca dessas pessoas, além do esforço em fazer mais parcerias com as faculdades. Além disso, dificilmente, alguém que participa uma vez pede para sair nas próximas”, explica a secretária de Planejamento de Estratégia, Inovação e de Eleições do TRE-BA, Luciana Bichara.
” Em Conquista, o pessoal do cartório eleitoral se empenhou mais em ir em busca dessas pessoas, além do esforço em fazer mais parcerias com as faculdades”
O perfil dos mesários nas últimas eleições na Bahia é de maioria feminina, na faixa entre 35 a 39 anos. Luciana destaca ainda que grande parte são servidores públicos, concurseiros e universitários. Atualmente, são 28 instituições conveniadas para aproveitamento de carga horária em atividades extracurriculares. “Esse mito de que ser mesário era uma coisa ruim caiu muito, se tornou um boato. Já tem algum tempo que fazemos essa campanha para mesário voluntário e os números sempre aumentam. Temos uma comissão que a cada pleito vai em busca de mais parcerias com universidades, por exemplo, com objetivo de ampliar os benefícios”.
Só para se ter uma ideia, Vitória da Conquista tem 99 eleitores por mesário voluntário, enquanto Feira de Santana – o maior colégio eleitoral entre as cidades do interior – possui 170 eleitores por mesário voluntário. Na proporção, Conquista tem quase o dobro. Mesmo se cadastrando no Portal da Justiça Eleitoral no site (www.justicaeleitoral.jus.br/eleicoes/mesario/) ou no aplicativo E-Título, ainda é necessário aguardar a convocação, como ressalta Luciana Bichara. “É importante deixar claro que dentro da nossa base de convocados, a gente prioriza o voluntariado que se inscrever por motivação própria. Não há prazo para a inscrição, isso pode ser feito em qualquer momento. Quem não foi chamado já fica no banco para o próximo pleito”.
Para conferir se foi convocado ou não, é necessário consultar o site do Tribunal Regional Eleitoral. O chamado é válido para os dois turnos das eleições. Quando convocado, o mesário tem um prazo de cinco dias para pedir dispensa, caso não possa comparecer, juntamente com a comprovação da impossibilidade de trabalhar. Entre as penalidades em caso de não comparecimento aos trabalhos eleitorais quando convocados, estão a cobrança de multa que varia de 50% a um salário-mínimo ou, quando servidor público, de suspensão de até 15 dias. Parentes de até 2º grau, conjugues, autoridades e agentes policiais, bem como os funcionários no desempenho de cargos de confiança do Executivo, não podem ser mesários. Eleitores menores de 18 anos, membros de diretórios de partido político e quem já trabalha no serviço eleitoral, também estão entre os casos restritos.
Recorde
Na Bahia, mais de 11,2 milhões de eleitores devem comparecer às urnas, conforme expectativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com TSE, o número representa um aumento de 3,5% (390.187) de pessoas, em comparação às eleições municipais de 2020, quando haviam sido registrados 10,8 milhões de eleitores.
O estado continua ocupando a posição de quarto maior colégio eleitoral do país. Regionalmente, Salvador ocupa o 1º lugar como o maior colégio eleitoral do estado, com 1.969.757 eleitores, seguido por Feira de Santana (426.887), Vitória da Conquista (257.784) e Camaçari (205.865).
O projeto-piloto da campanha para Mesário Voluntário foi implantado, em 2006, nas 39ª, 40ª e 41ª Zonas Eleitorais, sediadas em Vitória da Conquista. De lá para cá, a cidade alcançou um feito inédito: nas eleições 2018, a 39ª Zona – que abrange parte da zona urbana – trabalhou com 100% de mesários voluntários. A idealizadora foi a técnica judiciária da 41ª Zona de Conquista, Zélia Alves:
“Comecei a trabalhar em Conquista no ano de 2005, mesma época que houve um Referendo. Percebi que muitos mesários trabalharam no Referendo porque eram obrigados, convocados e não gostavam disso, trabalhando contrariados. No ano seguinte, conversei com a juíza da Zona Eleitoral, sugerindo que fizéssemos um projeto-piloto firmando convênio com a universidade local, incentivando os universitários a trabalhar como mesários nas eleições”.
“Percebi que muitos mesários trabalharam no Referendo porque eram obrigados, convocados e não gostavam disso. No ano seguinte, conversei com a juíza da Zona Eleitoral, sugerindo que fizéssemos um projeto-piloto ”
Deu tudo tão certo que, em 2008, o TRE resolveu estender o voluntariado para toda a Bahia. “A partir da implantação do programa, inúmeros eleitores passaram a se prontificar para trabalhar como mesários nas seções eleitorais, com boa vontade e uma maior consciência da importância de participar ativamente do nosso processo democrático. A divulgação que os cartórios eleitorais fizeram e fazem nas faculdades conveniadas com o TRE-BA e nos meios de comunicação fez com que muitos eleitores tomassem conhecimento das vantagens de ser mesário”, complementa Zélia, sobre o programa que completou 18 anos.
A professora e psicóloga Elionara Nolasco, 50 anos, não lembra quantas vezes já foi mesária em Vitória da Conquista. Parou um tempo, mas esse ano decidiu se candidatar novamente. “Por eu ser funcionária pública, conheço muitos colegas de trabalho que atuam sendo mesários, então, no meu meio, muitas pessoas trabalham nas eleições. Gosto de pessoas, atender e orientar. Sendo mesária estou também contribuindo como cidadã no fazer político”.
Mas quem é esse eleitor conquistense e tão engajado a ponto de fazer tanta questão de trabalhar no dia das eleições? Para o professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Oeste da Bahia (UESB), Matheus Silveira Lima, o perfil do eleitorado de Vitória da Conquista sempre foi diferenciado.
“Conquista tem um perfil em relação à política muito ‘sui generis’. Isso quer dizer que o município passou algumas décadas tendo um alinhamento político distinto da estrutura de poder estadual. Eu chamaria de uma tendência de ‘idiossincrasia eleitoral’ do eleitor. Vitória da Conquista tem todos esses elementos históricos que impedem que sua ação seja previsível. Há sempre surpresas partindo desse eleitorado, o que ajudaria também a cidade a ter um interesse redobrado por política”.
“Há sempre surpresas partindo desse eleitorado, o que ajudaria também a cidade a ter um interesse redobrado por política”
A funcionária pública e auxiliar de serviços gerais, Eliane Neri, 48 anos, é mesária voluntária há mais de 12 anos. “Quando fiz faculdade fui beneficiada com a carga horária, que também é um benefício de ser mesário. Tenho amigos e parentes que também são mesários aqui em Conquista. O que mais gosto nesse trabalho é o contato direto com uma parte da população que sempre revejo nas eleições. Sinto prazer em dever cumprido. É uma forma de efetivação da democracia”.
As funções da atividade em si, não mudaram muito. Mas, da época da redemocratização no final da década de 80 até agora, a figura do mesário ajudou a reduzir o distanciamento que as pessoas têm do processo democrático, como destaca o cientista político da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Maurício Silva.
“Existe uma campanha que vem sendo feita pelo Tribunal Superior Eleitoral relacionada a inserção das pessoas no processo eleitoral e isso vem acontecendo desde a promulgação da Constituição de 1988 para cá. Hoje há uma compreensão da população em relação à atividade eleitoral. O rito, o como fazer, o documento que tem que levar e, principalmente, uma maior relação com a urna eletrônica. Existe aí uma maior proximidade com esse processo e efeito positivo nessa participação”.
O ser mesário antes e o ser mesário hoje tem uma diferença também cultural. “ Ser mesário atualmente significa lidar com quem está acostumado a votar com a urna eletrônica, acostumado com o debate, com a diferença de opiniões e posições. O aumento do voluntariado é por muito importante para o país, significa cada vez mais a consolidação do nosso processo democrático”, analisa.
“O aumento do voluntariado é por muito importante para o país, significa cada vez mais a consolidação do nosso processo democrático”
O aumento do protagonismo nas eleições, fez crescer a confiança no processo eleitoral, como acrescenta o cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Cláudio André. A defesa da democracia é mais um fator de engajamento para além dos benefícios e abonos.
“Esse trabalho intenso na perspectiva de engajar as pessoas no processo eleitoral passou, inclusive, pela necessidade de gerar confiança no processo eleitoral. A gente viu que as instituições foram atacadas, gerando uma desconfiança que tem sido mitigada nos últimos anos. Então, essa perspectiva de fortalecer a democracia é um elemento muito importante”, completa.
OS BENEFÍCIOS DE SER UM VOLUNTÁRIO
. Dois dias de folga por turno trabalhado sem perda no salário.
. Os voluntários também têm direito ao auxílio-alimentação no dia das eleições cujo valor é R$ 60.
. Trabalhar como mesário é critério de desempate em concursos públicos.
. O trabalho também conta como atividade extracurricular de cursos em universidades conveniadas com o TRE-BA.
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