por Mara Machado*
Pesquisa publicada na Harvard Business Review aponta que o tratamento de doenças crônicas e de episódios agudos de emergência espontânea equivalem a, respectivamente, 50% e 35% dos custos no setor de saúde. E de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), se fosse investido um dólar em políticas públicas e medidas de prevenção de doenças cardíacas, diabetes, câncer e respiratórias poderia ser gerada uma economia de US$ 230 bilhões. Cerca de sete milhões de mortes poderiam ser evitadas até 2030. Mesmo sendo reconhecida há décadas como um elemento central na organização de qualquer sistema de saúde, a atenção primária (APS) ainda não é amplamente adotada pelas operadoras de saúde suplementar no Brasil. Esta é a conclusão do relatório técnico divulgado em março de 2021 pela Fundação Getúlio Vargas, resultado de um trabalho conjunto do Centro de Estudos e Planejamento em Gestão de Saúde (GVSaude) com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Já no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, o padrão de gastos revela concentração de recursos na atenção curativa, ou seja, na atenção hospitalar, especializada e atenção de pronto atendimento de forma hegemônica. Mesmo com 30 anos de expansão, diga-se não consolidada, da estratégia de saúde da família, o país não vincula recursos suficientes para tornar as UBS um serviço de fácil acesso, com qualidade e resolutividade. Os investimentos em saúde pública no Brasil caíram 64% e perderam R$ 10 bilhões entre 2013 e 2023, revela pesquisa do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde. Os valores minguaram de R$ 16,8 bilhões, em 2013, para R$ 6,4 bilhões em 2023.
Diante destes cenários, entendo que estamos no momento de acelerar a adoção de políticas em cuidados primários de alta qualidade, criar uma força de trabalho robusta nos cuidados primários e permitir a análise e a aprendizagem em torno do impacto dos cuidados primários na saúde da população.
A associação entre a qualidade dos cuidados de saúde e os custos têm sido uma consideração importante nos debates sobre se os cortes nos gastos com saúde terão um impacto negativo na qualidade ou se a melhoria da qualidade diminuirá os gastos com saúde.
A avaliação de custos deve promover a relação custo-eficácia da prática médica, maximizar os recursos disponíveis para o prestador de cuidados de saúde por meio da gestão dos serviços oferecidos aos pacientes e explorar oportunidades para melhorias adicionais.
Tradicionalmente, o custo da qualidade era considerado do ponto de vista da produção, onde o processo de custeio da qualidade leva em consideração apenas o custo do desvio das especificações pretendidas. Em serviços como saúde, o custeio da qualidade é mais desafiador devido à complexidade dos processos e ao fato de tais processos conterem uma ampla gama de custos, muitos dos quais são intangíveis e ocultos.
Embora a prática clínica seja baseada em evidências, considerando o custo-efetividade, o exercício do custeio da qualidade não tem sido levado a sério. O custeio da qualidade recebe menos atenção na saúde pública por vários motivos, como a complexidade de alguns dos métodos de custeio e os recursos limitados para executar tal exercício.
Isso ocorre porque os gestores de saúde continuam entendendo que a implementação da gestão da qualidade pode ser feita por programas de qualidade e colocam os recursos destes programas como despesas.
O atual cenário do SUS é alarmante e exige uma ação imediata. Não podemos mais aceitar que os brasileiros enfrentem condições tão precárias de atendimento médico, colocando em risco sua saúde e bem-estar.
Diante desse contexto crítico, é necessário um esforço conjunto do governo, profissionais de saúde, instituições acadêmicas e a sociedade civil para remodelar o SUS e garantir um sistema de saúde acessível, eficiente e de qualidade para todos os brasileiros.
A saída, na minha visão, já está na própria história do SUS, que tem entre sua missão criar redes integradas por território, ou seja, cuidar das pessoas por região e de forma unificada e multidisciplinar. Desta forma, evitamos as longas filas e as idas e vindas da população nos postos de saúde por diversos bairros.
Está mais do que na hora de agir, de remodelar este atendimento e criar uma Política Nacional de Qualidade para dar uma sustentabilidade ao setor. É preciso ouvir e entender a recomendação – o sistema de saúde brasileiro precisa de novo modelo de governança.
A remodelação do SUS não é apenas uma questão de política de saúde, mas sim uma questão de justiça social e direitos humanos. Todos os brasileiros têm o direito constitucional a um sistema de saúde público, gratuito e de qualidade, e é nosso dever garantir que esse direito seja respeitado e cumprido. Caso nada seja feito vamos viver um colapso na saúde pública.
*Mara Machado é CEO do Instituto Qualisa de Gestão (IQG), que há 30 anos capacita pessoas e contribui com as instituições de saúde para reestruturar o sistema de gestão vigente, impulsionar a estratégia de inovação e formar um quadro de coordenação entre todos os atores decisórios.
O IQG vem trabalhando com parceiros internos do setor e externos para favorecer a geração de novas frentes para o sistema e colocar os prestadores de serviços em posição mais ativa.
Atua no desenvolvimento de novas e modernas soluções para atender com agilidade as exigências do mercado atual.
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