por Ricardo Balthazar | Folhapress
Decisões judiciais colocaram em xeque nos últimos meses a credibilidade do empresário Ricardo Pessoa, o primeiro dos empreiteiros presos pela Operação Lava Jato há quatro anos que aceitou colaborar com as investigações e se tornou delator.
Dos 16 políticos implicados pela delação do empresário que já foram alvo de denúncias criminais ou tiveram seus casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal e em outras instâncias do Judiciário, 8 se livraram das acusações. Em todos esses oito casos, a Justiça concluiu que as informações fornecidas por Pessoa eram insuficientes para comprovar crimes ou justificar a abertura de processos. Em seis deles, o próprio Ministério Público pediu o arquivamento das investigações.
O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), e o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) foram inocentados em junho. Os dois receberam doações de Pessoa em campanhas eleitorais, mas não apareceram provas de que contribuições tenham sido feitas ilegalmente como o empreiteiro afirmou.
Pelo mesmo motivo, o STF arquivou inquérito sobre o senador Benedito de Lira (PP-AL) e seu filho, o deputado Arthur Lira (PP-AL), em dezembro. Pessoa e o doleiro Alberto Youssef disseram ter entregado R$ 1 milhão em dinheiro vivo a Arthur, mas o empreiteiro só apresentou como provas anotações na sua agenda.
"Uma anotação unilateralmente feita em manuscrito particular não tem o condão de corroborar, por si só, o depoimento do colaborador, ainda que para fins de recebimento da denúncia", disse o ministro Dias Toffoli, ao votar pelo arquivamento do caso no STF.
Toffoli votou pela rejeição de denúncias apresentadas pelo Ministério Público contra dois outros políticos acusados por Pessoa, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). Ainda não houve decisão nesses casos, porque outros ministros pediram tempo para analisar os inquéritos.
A legislação brasileira diz que ninguém pode ser condenado apenas com base na palavra de um delator, sem outras evidências que justifiquem punição. Mas nada impede que um processo criminal seja aberto nessas circunstâncias, permitindo que novas provas sejam produzidas.
Em casos como o de Arthur Lira, prevaleceu o entendimento de que o testemunho de um delator é insuficiente até para iniciar uma ação penal. Nas últimas semanas, o STF arquivou seis inquéritos que têm como origem a delação da Odebrecht argumentando que se arrastam há muito tempo sem dar resultado.
"Depoimentos de outros colaboradores são convergentes com os de Pessoa e as informações que ele forneceu poderiam levar à obtenção de novas provas na fase de instrução dos processos", diz a advogada Carla Domenico, que defende o empreiteiro.
No caso de Benedito de Lira e seu filho, Pessoa e o Ministério Público pediram que o STF reconsidere a decisão de arquivamento. Procuradas pela reportagem, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná e a Procuradoria-Geral da República não quiseram se manifestar.
Dono das empreiteiras UTC e Constran, Pessoa decidiu colaborar com a Lava Jato quando estava preso em Curitiba e assinou acordo de delação premiada com a Procuradoria em maio de 2015, dias depois de ser solto pelo STF, que lhe concedeu habeas corpus após cinco meses e meio de prisão.
O empresário confessou ter participado de um cartel de empreiteiras organizado para fraudar licitações de obras da Petrobras e revelou pagamentos de propina a dirigentes de estatais e doações ilegais a vários partidos políticos. Pessoa deu contribuição decisiva para a Lava Jato ao vincular doações políticas legais, efetuadas na época em que a lei permitia o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, a acertos feitos para garantir contratos na Petrobras e em outras estatais.
A tese que permite tratar esses pagamentos como se fossem propina tem encontrado resistência no STF. Mas o testemunho de Pessoa contribuiu para condenar o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto em casos julgados pelo juiz Sergio Moro, responsável pelas ações da Lava Jato no Paraná.
Em um dos seus depoimentos, o empreiteiro disse que Vaccari chamava de pixuleco as contribuições que pedia para o PT. A palavra foi usada mais tarde por manifestantes antipetistas para batizar um boneco inflável que representava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestido como presidiário em passeatas.
"A efetividade da colaboração de Ricardo Ribeiro Pessoa não se discute", escreveu Moro em uma de suas sentenças. "Prestou informações e forneceu provas relevantíssimas para a Justiça criminal de um grande esquema criminoso". Dos 34 políticos citados pela delação, dois respondem a ações como réus: o senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTC-AL), acusado de receber propina para facilitar negócios na BR Distribuidora, e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que, segundo Pessoa, teve uma dívida de campanha quitada pela UTC.
Outros 18 citados estão sob investigação, sem acusação formal. Vários têm apontado fragilidades em depoimentos do empreiteiro, como o ex-tesoureiro petista Edinho Silva, hoje prefeito de Araraquara (SP). Pessoa sugeriu que doou para o PT em 2014 porque teve medo de perder contratos na Petrobras, mas recuou ao narrar encontros com Edinho.
"Ele estava preso ao iniciar a colaboração, e falhas de memória são naturais nesse processo", diz Domenico, a advogada de Pessoa. "Mas ele tem corrigido eventuais imprecisões em seus depoimentos". Condenado a 18 anos e 8 meses de prisão por corrupção ativa e outros crimes, o empreiteiro cumpriu parte da pena em regime domiciliar e hoje, graças à delação, só precisa prestar serviços comunitários uma vez por semana, num cartório da Justiça Federal.
Pessoa tem até o ano que vem para quitar uma multa de R$ 51 milhões e enfrenta dificuldades para salvar os negócios da ruína. A UTC perdeu todos os contratos que tinha com a Petrobras e entrou em processo de recuperação judicial para renegociar dívidas.
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