> TABOCAS NOTICIAS

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um novo livro conta a história de uma mulher enganada que transou com 32 homens para se vingar do ex-marido. Faz sentido?

Ainda não me decidi a ler o livro que Isabel Dias lançou em São Paulo na terça-feira passada. “32 – Um homem para cada ano que passei com você”: conta, em primeira pessoa, suas aventuras eróticas posteriores ao casamento, que terminou quando ela descobriu que fora traída. Época

Isabel diz que seu projeto de contagem sexual foi iniciado alguns meses depois da separação, com o intuito meio vago de se vingar das traições do ex-marido. Acabou virando algo mais interessante: um roteiro de descoberta e libertação pessoal através do sexo casual. Mas o título do livro ainda se dirige ao ex-marido, sugerindo que o drama inicial não foi superado.

Meu problema com o livro e com o projeto que o orienta é que eles me parecem antiquados. Como alguém pode, no século XXI, criar uma plataforma de guerra e construir uma biografia com base num adultério?

Ao descobrir que o marido tivera casos com outras quatro mulheres, ao longo de um casamento de 32 anos, Isabel reage como se tivesse sido vítima de um crime – e empurra o ex-marido para a posição odiosa de canalha. Mas isso não faz o menor sentido. Adultério não é crime e quem o pratica não é criminoso. Nem canalha. É apenas uma pessoa que mente, porque seus desejos sexuais (ou afetivos) estão em contradição com a realidade em que ele ou ela vive. Considerando a natureza erótica e instável de todos nós, isso não deveria ser considerado uma monstruosidade.

Pergunto: o que gente casada deveria fazer, em vez de mentir? Ignorar os inevitáveis desejos sexuais fora do casamento, no longo período entre os 25 e os 57 anos de idade, que corresponde à metade mais ativa da vida? Ou talvez dividir esses sentimentos voltados a terceiros com o parceiro, correndo o risco, imenso, de arruinar o convívio e destruir a relação na qual os dois investiram tantos anos e tanta energia? Só os moralistas acham que existe uma resposta fácil a essas perguntas.

Permitam-me citar longamente Alain de Botton, meu guru nesses assuntos.

Em Como pensar mais sobre sexo, ele diz: “Em um casamento considerado bom, os dois cônjuges não deveriam se culpar por suas infidelidades; deveriam se sentir orgulhosos, essencialmente, por terem conseguido permanecer comprometidos com a sua união. Os relacionamentos frequentemente começam com uma ênfase moral no lugar errado, como se a ânsia de se afastar fosse repugnante e impensável. Mas, na realidade, o que é maravilhoso e digno de honra é a habilidade de ficar, e, no entanto, isso geralmente é tomado como certo, como o estado normal das coisas. Assistir à vida passar de dentro da gaiola do casamento sem pôr em prática os impulsos sexuais é um milagre da civilização e da bondade, algo pelo qual ambos deveriam agradecer todos os dias”.

Sem banalizar ou trivializar sentimentos, sem ignorar a dor de quem é enganado, De Botton mostra como se trava uma discussão adulta sobre o adultério: admitindo as fraquezas e dificuldades humanas, e não as condenando de antemão, como um inquisidor do século XVI.

Cento e cinquenta anos atrás, ou pouco mais ou menos do que isso, dois escritores geniais criaram personagens adúlteros inesquecíveis, pela sua humanidade e por seu idealismo: Ema Bovary, de Flaubert, e Anna Karenina, de Tolstói. Ambas acreditavam que a vida lhes devia mais do que a mediocridade do destino reservado a elas. Ambas tiveram coragem de enfrentar a sociedade patriarcal ao seu redor para satisfazer o que afinal poderia ser descrito de forma moralista apenas como “luxúria”. As duas personagens terminam por se suicidar.

Será que, mesmo depois de Flaubert e Tolstói, ainda somos incapazes de olhar para esse assunto também pelos olhos de quem engana o parceiro? Será que as emoções em torno da “traição” continuarão sequestradas no século XXI pelo grito de dor das vítimas, como se não houvesse nenhuma história de sofrimento ou privação humana do outro lado?

Entendo que a mágoa de quem foi enganado é imensa. Entendo que é preciso coragem para assumir a plenitude do insulto, reagir a ele e recomeçar, em vez de definhar em silêncio e humilhação. Entendo que certas feridas afetivas precisam ser cauterizadas a ferro quente, e que atitudes radicais (mas não violentas!!), permitem, em muitos casos, um renascimento psíquico que não haveria de outra forma. Apesar disso, acho estéril transformar revanche e adultério em bandeiras, como faz Isabel Dias.

Quem passou por isso sabe que não há como vingar a humilhação de ser enganado com qualquer ato semelhante. Quando alguém que amamos nos faz de bobo e divide a sua intimidade com outra pessoa, a dor é única. Morremos 100 vezes, como cantou Amy Winehouse. Que tipo de revanche suprime um sentimento tão agudo, carregado de vergonha? Nenhuma. O sexo com outras pessoas não diminui nosso desespero por ser trocados. Saber que o outro sabe o que fazemos tampouco reduz o nosso sofrimento. Mesmo a dor do outro, se vier a existir, não é realmente capaz de mitigar a nossa.

As únicas coisas que ajudam nesses casos são tempo, perdão e reconstrução – coisas que podem vir juntas ou separadas, dentro ou fora da relação original. Duvido que a vingança sexual faça qualquer pessoa feliz por mais de 30 segundos.

Por isso tudo, não entendo o projeto de Isabel. Ela me parece alguém que foi pela rua caminhando de costas. Seus olhos parecem estar no passado. Essas são as minhas impressões, ao menos. Mas a história que Isabel conta é outra. Ela afirma que aquilo que começou como tentativa de dar o troco ao ex-marido terminou com grandeza – na emancipação sexual de uma mulher de mais de 50 anos que passara três décadas vivendo em ilusão e privação. Se for realmente assim, se esse caminho realmente for possível, seu livro tem algo a ensinar. E nada tem a ver com vingança. Fonte: Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário