Acordos com empresa somam mais de R$ 180 mil, segundo documentos. Família de morto se diz assustada com o caso; MP investiga notas fiscais.
O deputado estadual reeleito José Carlos Carvalho Barbosa, mais conhecido por Kaká Barbosa (PT do B), usou R$ 1.269.700 em verbas indenizatórias entre 2011 e 2012 na Assembleia Legislativa do Amapá. O reembolso do dinheiro gasto pelo parlamentar em supostas atividades do gabinete poderia ser apenas mais um procedimento comum na Casa de Leis. Mas documentos obtidos com exclusividade pelo G1AP apontam que o deputado teria realizado mais de dez contratos no valor total de R$ 186 mil em locações de veículos com assinaturas falsas de uma pessoa morta, conforme certidão de óbito acessada pela reportagem.
O parlamentar foi procurado na Assembleia, mas não foi encontrado. O G1 tentou contato também por telefone, mas ele não atendeu às ligações.
Segundo a prestação de contas realizada pelo próprio deputado, foram fechados 17 contratos entre 2011 e 2012 com a empresa E. Q. Silva, de propriedade única de Edileuson Quintela da Silva, conforme registro de abertura do empreendimento na Junta Comercial do Amapá (Jucap), datado de 10 de novembro de 2011. Sete dias depois, no dia 17 do mesmo mês, Kaká Barbosa teria assinado o primeiro contrato com a empresa, no valor de R$ 7.870,00.
A segunda contratação para locações de veículos aconteceu em 2 de dezembro de 2011, com emissão de duas notas fiscais com valores de R$ 7,5 mil e R$ 7.870, cada. Oito dias depois, em 10 de dezembro, o único proprietário da empresa, Edileuson Silva, foi encontrado morto com marcas de estrangulamento em um ramal de Santana, a 17 quilômetros de Macapá. O caso é tratado como mistério pela Polícia Civil e ainda não está concluído.
Após a morte do suposto empresário, o deputado amapaense ainda fechou mais 14 contratos com a empresa, todos com a assinatura de Edileuson. O primeiro depois do homicídio foi assinado em 1º de janeiro de 2012, no valor de R$ 7.870,21. O último está com a data de 17 de dezembro de 2012, um ano após a morte do proprietário da empresa. O documento de abertura da empresa E.Q. Silva e a certidão de óbito de Edileuson Silva apresentam o mesmo número de CPF.
Procurada pelo G1, a família de Edileuson Silva confirmou a identidade do suposto dono do empreendimento, mas negou que ele tenha aberto uma empresa, por causa das dificuldades financeiras. Familiares afirmam que ele morreu desempregado e nunca teve qualquer experiência no ramo empresarial.
“Meu filho nunca teve nada. Nenhuma empresa. Pegaram os dados dele e abriram esse negócio. Isso é brincar com a dor dos outros”, lamentou a autônoma Maria Quintela, de 64 anos, mãe de Edileuson.
“Pegar o nome de uma pessoa e fazer esse tipo de falcatrua é pura perversidade”, completou o pai, o aposentado Raimundo Silva, de 73 anos. Os pais também afirmam que a assinatura de Edileuson Silva nos documentos é falsa.
O caso chamou a atenção do Ministério Público (MP) do Amapá, que investiga os contratos firmados para reembolso da verba indenizatória na Assembleia Legislativa. O dinheiro é público e deve ser usado exclusivamente para atividades parlamentares, lembram os promotores.
"As notas fiscais elencadas não podem ser aceitas para efeito de ressarcimento público, seja por falta de descrição completa dos serviços prestados, o que impede a fiscalização da despesa, seja pela morte do único dono da empresa contratada, revelando que as assinaturas nos respectivos contratos de locação são inegavelmente falsas", diz o promotor de Justiça Afonso Guimarães.
Kaká Barbosa poderá responder por peculato, falsidade ideológica, improbidade administrativa, lavagem de dinheiro, prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito. Os processos vão ser ingressados nas varas Cível e Criminal.
De acordo com Guimarães, além da falsificação das assinaturas do morto nos contratos, também existe a possibilidade de a empresa ser de fachada. O G1 visitou o endereço da suposta empresa, localizada na Avenida Rio Branco, bairro Hospitalidade, em Santana. Não foi encontrado ninguém no local para falar sobre o assunto.
O imóvel é uma casa em madeira, com estrutura deteriorada, às margens de um córrego na via. Vizinhos relataram que o espaço nunca serviu como prédio de empresa. Nem carro é visto na casa. A única locomoção dos inquilinos é uma bicicleta deixada trancada no lado de fora quando a família sai para trabalhar, contam os vizinhos.
Morte misteriosa
O assassinato de Edileuson é tratado como um quebra cabeça pela 1ª Delegacia de Polícia Civil, em Santana. A princípio, o motivo da morte seria um acerto de contas. Segundo a polícia, a vítima seria usuária de drogas.
Segundo o delegado que investiga o caso, Jurandir Bentes, a testemunha chave no inquérito relatou que dois homens não identificados abordaram Edileuson em uma praça da cidade santanense e começaram a xingá-lo. Em determinado momento, a vítima foi arrastada até uma região de mata, lugar onde o corpo foi encontrado amarrado e com marcas de estrangulamento.
As investigações estão paradas desde 2012. O delegado, no entanto, afirmou que o caso será retomado por causa da possibilidade de a morte estar ligada à suposta empresa aberta por Edileuson. “Vamos traçar uma nova linha de investigação, que antes era apenas acerto de contas por uso de drogas. Pelas características do crime, a morte foi premeditada”, disse Jurandir Bentes.
Via:Dede Camilo
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