"O Brasil, hoje, perde muito quando a escola não tem a competência de compreender e acolher formas próprias de fazer e pensar a matemática", afirma Cristiano Alberto Muniz.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
Cada criança que nasce é um ser matemático: se, quando cresce, ela não sabe ou não gosta de matemática, é porque falhamos em nossa missão educativa. Essa é uma paráfrase da grande Educadora matemática francesa Stella Baruk, que sustenta nossa postura epistemológica e metodológica diante do fenômeno da aprendizagem matemática. O panorama da não aprendizagem matemática e da aversão ao conhecimento matemático que hoje domina as Escolas e as famílias, constituindo uma representação social complexa e triste sobre a aprendizagem matemática, opõe-se à visão epistemológica de que todas as crianças sob nossa responsabilidade educativa têm enorme potencial para aprender e produzir matemática.Nossas pesquisas demonstram que crianças tidas com dificuldades na aprendizagem matemática revelam-se produtoras de procedimentos matemáticos, de alta complexidade, de valor matemático e cognitivo. Muitas de nossas crianças consideradas fracassadas no aprender e produzir matemática na Escola são os sujeitos mais capazes de desenvolver procedimentos inusitados, criativos e com capacidade crítica não presente nos demais que assimilam mecanicamente o saber transmitido pelos Professores e livros didáticos.
Constata-se o quanto as formas próprias de fazer e aprender matemática de muitas das nossas crianças são ignoradas, negadas e rejeitadas pelos Professores, numa Escola em que prevalece a ideia de que a matemática se pauta pela assimilação mecânica e reprodutivista de fórmulas acabadas. Aprender matemática, nessa perspectiva, requer que os Alunos estejam prontos para a assimilação pura e sem reflexão dos conteúdos. Assim, não há espaço para a criança estimulada para a reflexão crítica e criativa fazer matemática na Escola, que se constitui, dessa forma, espaço social de reprodução de conhecimentos, desprovidos de significações históricas, políticas e culturais.
Pesquisas no contexto da Educação matemática, com base nas contribuições da neurociência, psicologia cognitiva e antropologia histórica, vêm revelar que as crianças lançadas na vala da incapacidade de aprender matemática, cavada pela Escola, são os seres matemáticos com maior capacidade de produção crítica e criativa. Com eles, temos a oportunidade de aprender novas formas de pensar e produzir matemática, com a revelação de procedimentos lógicos muitas vezes ausentes dos livros.
O Brasil, hoje, perde muito, seja na dimensão do desenvolvimento humano, seja na do cultural-científico-tecnológico, quando a Escola não tem a competência de compreender e acolher formas próprias de fazer e pensar a matemática, ainda mais quando tratamos com crianças que convivem num mundo complexo, mergulhado em novas tecnologias, que favorecem a construção de pensamentos dinâmicos, elásticos e complexos que são, naturalmente, transferidos para o contexto do aprender matemática dentro da Escola.
Em 6 de maio, quando comemoramos o Dia da Matemática, devemos buscar fomentar discussão mais ampla e profunda dos significados do fazer e aprender matemática dentro e fora das Escolas. Devemos nos questionar o quanto nossos Professores estão aptos a serem efetivos mediadores do desenvolvimento de nossas crianças. É necessário garantir mais investimentos do Estado, para capacitar profissionais da Educação na identificação dos processos inusitados dessas crianças.
Ao negarmos compreender e valorizar as formas de pensamento matemático, estamos matando a crença de cada indivíduo na própria capacidade de resolver problemas, de construir crítica, criativa e eticamente soluções para os desafios do mundo. É triste ver que, a cada dia, mais brasileiros se declaram incapazes de aprender matemática. Temos de encontrar meios de estancar a fonte geradora de matofobias, ou seja, do medo de aprender que se nutre em nossas Escolas.
Nos últimos 25 anos, a Educação matemática vem construindo no Brasil um esforço coletivo para estabelecer novas formas de conceber a aprendizagem, fazendo que cada criança adore enfrentar desafios, se relacionar com o mundo por meio da matemática e perceber-se efetivamente como ser matemático. Que cada cidadão possa compreender que, por meio da matemática, é possível construir um mundo mais justo e humano, um Brasil mais solidário, em que a criança tenha prazer de ir à Escola e mostrar a percepção do mundo por formas inusitadas de matematizar.
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