Cenas de medo, desespero, gritos, sangue e pessoas sendo executadas violentamente foram expostas a um menino de dois anos na sessão do filme de terror "A Entidade", veiculado na noite do último domingo (4) pela rede Cinemark do shopping SP Market, na zona sul de São Paulo. O filme foi exibido das 21h as 23h. O menino, que estava acompanhado da mãe e de outros familiares, foi notado pelo público do cinema pelo comportamento elétrico durante algumas cenas do filme. O radialista Sérgio Fernandes, 24, se surpreendeu com a presença do menino. "Eu percebi que ele estava lá por causa do barulho que ele fazia", disse. A classificação indicativa do filme era de 14 anos. Crianças de até três anos não pagam entrada. Questionada sobre como teria conseguido entrar com o menino no cinema, a mãe respondeu que passou pelos funcionários sem ser abordada. "Eu simplesmente passei. Ninguém me perguntou nada", disse a mãe sem querer se identificar. Ela também não quis responder porque trouxe a criança ao cinema para ver cenas de terror. "Não teve problema, ele dormiu em boa parte do filme", disse. A reportagem, que esteve durante toda a sessão, observou que a criança não dormiu e se manteve agitada em boa parte do filme. A presidente do Departamento de Saúde Mental da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo), Dra. Míriam Ribeiro de Faria Silveira, classificou como "grave" a situação. "Apesar de não ter a compreensão das cenas do filme, a criança vive aquilo como se fosse verdade. Ela vê coisas para as quais não têm palavra. Ela vai interiorizando, sentindo e interpretando", disse.
A psicanalista, que já fez estudos sobre o impacto da televisão em crianças, explica que até três anos é a fase da primeira infância em que os órgãos do sentido estão apurados. "Cenas violentas e repetitivas podem ficar marcadas e voltar à tona num momento futuro. A cabecinha guarda várias fotos e o barulho. Ela pode vir a sonhar com isso." Para a psicoterapeuta da ABPS (Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama) Vivien Bonafer Ponzoni, muitos pais criam os filhos como se fossem mini adultos expondo-os a situações que eles não têm condição de compreender. "Experiências dessa natureza levam a criança a sentir-se angustiada, assustada e insegura", afirmou. "Uma criança submetida ao mundo do adulto por conveniência, ignorância ou irresponsabilidade deste sentir-se-á desamparada e não receberá os ingredientes indispensáveis para crescer com segurança e elevada autoestima", pontuou. A Cinemark informou em nota que crianças com idade inferior à indicação de classificação etária podem assistir aos filmes da rede desde que acompanhadas pelos pais ou responsáveis, exceto quando a classificação é para maiores de 18 anos. Apesar da rede estar em conformidade com a regulamentação vigente, a SPSP não recomenda que crianças inferiores a três anos assistam televisão ou filmes, mesmo que seja com fins educativos. A ABPS alerta que os pais devem levar em conta que a criança está diante de inúmeros estímulos e que é responsabilidade deles discriminar o que deve ou não ser vivido pelo filho. "O episódio nos leva a refletir para onde estamos conduzindo a educação [...] O que fazia uma criança de dois anos no cinema, às 21horas? Mas temos que pensar: quem se incomoda? Quem raciocina e pensa? Tudo parece permitido", concluiu Ponzoni.
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