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domingo, 8 de dezembro de 2013

“ TOCA COMO UM CEGO!”

Por Humberto Pinho da Silva 
Nos anos sessenta, havia na rua do Bonjardim, na cidade do Porto, dois irmãos, muito unidos, ambos fotógrafos e transmontanos de gema.
Cada cliente era um amigo. Recebiam-no nas traseiras, em salinha, onde montaram o atelier. As mulheres da casa, nas tardes frias de Inverno, ficavam à roda da braseira, cavaqueando e fazendo trabalhinhos caseiros.
Era gente simples, mas boa.
Certa ocasião, ao conversar com um deles, depois de lhe ter entregue o rolo fotográfico, confidenciou-me que o irmão era um grande artista: - “ Toca tão bem como um cego!”
Achei graça à expressão. Ser invisual, não é indicativo de talento, mas compreendi o elogio.
Ao passar, por certas ruas, deparo-me, por vezes, com insignes músicos, de óculos pretos e bengala branca, pedindo a esmola, que lhes permita sustento e decência.
Fico, então, a pensar:
Não seria difícil, nem dispendioso, se fossem contratados para animar bares e restaurantes.
Não, que considere, como o bom fotógrafo, que ser cego é sinónimo de bom interprete; mas há invisuais, a mendigar pela via pública, que tocam magistralmente.
Já não basta estarem privados de verem a luz, a família, e a casa onde vivem, para terem que acrescentarem, ao infortúnio, o sustento incerto.
Alguns, com poucas lições, poderiam tornar-se compositores de mérito ou integrar-se em orquestras e até formarem conjuntos de sucesso.

Falo dos invisuais, que tocam na rua: mas quantos, que permanecem no anonimato das suas residências, poderiam tornar-se magníficos interpretes?
Muitos aguardam a oportunidade, que na maioria das vezes nunca chega, se não há quem os lance e lhes abra portas.
Não basta ter valor, é mister que haja quem dê a mão amiga e apresente a pessoas e instituições certas.
Quantos artistas, de enorme talento, passam a vida na obscuridade, desconhecidos, e até ridicularizados, pela família e amigos, porque não encontram oportunidades de brilharem e mostrarem valor?
O talento é nato, mas atrofia-se se não encontra quem o desenvolva ou meio que permita voar.
Como pode, quem tem que pedir esmola, ou trabalhar debaixo do aguilhão de patrão ignorante, desenvolver o génio?
Assim como a planta não medra, senão tiver: boa terra, bom adubo e água abundante, também o talento se enfeza, em contacto com boçais e iletrados.

“ Querer é poder!”, mas só é poder, se houver – para os que não nasçam em famílias evoluídas, – o mecenas amigo, que descubra e acicate o talento.

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