Quando o dinheiro virou promessa de salvação
Monique Evelle
Hoje eu preciso admitir, para mim mesma, uma mentira que carreguei como escudo durante anos: a ideia de que, quando eu ganhasse dinheiro, o sofrimento passaria. Escrevo estas linhas como quem presta contas à própria consciência, olhando para trás e vendo quantas decisões tomei movida por essa promessa silenciosa de alívio absoluto que nunca veio.
Quando você é negra e pobre, o sofrimento tem endereço certo e forma concreta. Estou falando da conta de luz atrasada, a geladeira quase vazia, o medo constante de alguém adoecer, porque não há reserva financeira nem plano de saúde. É ver quem você ama se encolher diante das circunstâncias, não por falta de capacidade, mas por falta de opções. Nesse contexto, falar de dinheiro é falar de sobrevivência.
Passei horas, dias, anos pensando que, se um dia eu ganhasse “o suficiente”, todos aqueles nós da vida se desfariam magicamente. Eu não desejava luxo. Não sonhava necessariamente com ostentação, sonhava com a possibilidade de respirar sem sentir culpa, sem fazer cálculos mentais a cada passo. Foi assim que a mentira se instalou: discreta, aparentemente inocente, mas determinando o ritmo da minha caminhada.
Quando o dinheiro virou promessa de salvação
Em algum momento, eu firmei um pacto silencioso comigo mesma. Se eu estudasse mais, trabalhasse mais, aceitasse mais responsabilidades e aguentasse mais pressão, o prêmio seria a paz. Passei a tratar o dinheiro como se fosse uma espécie de passaporte para uma vida sem dor. Cada conquista profissional parecia me aproximar desse lugar imaginário onde nada mais me feriria.
A jornada de ascensão veio acompanhada de muito esforço, renúncia e adaptação. Aprendi a circular em espaços que, durante muito tempo, não foram pensados para pessoas como eu. Aceitei ser a única pessoa negra em muitas salas, acreditando que aquele desconforto era o preço temporário de algo maior que viria depois, essa tal vida mais leve, sem o peso que eu carregava desde a infância.
Quando o dinheiro começou a chegar, experimentei uma sensação real de alívio. Pude ajudar minha família com mais segurança, morar num lugar melhor, dizer “não” a algumas propostas que antes eu aceitaria por necessidade. Durante um tempo, acreditei que a promessa estava se cumprindo. Parecia que, enfim, eu havia atravessado a fronteira entre o sofrimento e a tranquilidade.
A ascensão que traz outros tipos de dor
Mas, aos poucos, percebi que o sofrimento não tinha ido embora, ele apenas havia mudado de roupa. Já não era mais o medo da fome, mas uma sensação persistente de não pertencimento. Eu me via vivendo entre dois mundos: num, eu era a prova de que “deu certo” e no outro, às vezes, eu já não parecia caber. Em nenhum deles eu me sentia inteiramente em casa.
Nos espaços de prestígio e recursos, o racismo não desapareceu. Ele apenas se sofisticou. Olhares de desconfiança, perguntas veladas, surpresas mal disfarçadas quando eu ocupava lugares de decisão. Muitas vezes era preciso explicar repetidas vezes que eu era a responsável, a líder, a investidora. O corpo negro, mesmo quando chega “lá”, segue sendo questionado, testado e avaliado com rigor diferente.
Essa experiência trouxe uma nova camada de dor: a solidão. Ao mesmo tempo em que eu rompia barreiras, carregava uma pressão quase invisível de ser exemplo, de não falhar, de representar outras pessoas negras que ainda não estavam ali. Quando me sentia cansada, ansiosa ou triste, surgia a culpa: como reclamar se eu agora tinha o que, um dia, pedi com tanta intensidade?
O que o dinheiro não cura