Por Cláudia Collucci e Danielle Castro | Folhapress
Foto: José Cruz/ Agência Brasil
Quatro anos depois do início da pandemia de Covid-19, declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 11 de março de 2020, ainda morrem no Brasil a cada quatro dias ao menos três crianças ou adolescentes de até 14 anos, em média, devido a complicações da doença.
Análise inédita do boletim Observa-Infância, produzido com dados do Sivep-Gripe/Fiocruz das nove primeiras semanas de cada ano, entre 2021 e 2024, mostra que as baixas taxas de cobertura vacinal estão associadas à persistência da mortalidade nessa faixa etária.
Neste ano, foram 48 mortes por Covid até o último dia 8, segundo dados preliminares do projeto. O número indica uma média de 0,71 morte ao dia ou de 2,8 mortes a cada quatro dias. Elas representam 32,4% dos falecimentos deste grupo etário por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave).
Nessa faixa etária, a cobertura vacinal está em torno de 11,4%, um pouco abaixo do percentual de adultos com as quatro doses da vacina (14,9%).
O grupo com pior cobertura são de crianças de 3 a 4 anos. Apenas um quarto (23%) tomou duas doses da vacina e apenas 7% estão com o esquema vacinal completo com três doses (até o fim de fevereiro).
Na faixa de 5 a 11 anos, a situação é um pouco melhor, com 55,9% tendo recebido duas doses e 12,8% completando o esquema com três doses.
O número de mortes deste ano é similar ao registrado nas oito primeiras semanas de 2023, um total de 50, e indica que houve uma queda significativa de mortes desde que as vacinas se tornaram disponíveis para o público infantojuvenil.
Em 2022, por exemplo, houve 326 mortes por Covid até 14 anos, representando 47% dos óbitos por SRAG no país. Em 2021, foram 118 mortes, que responderam por 38% dos óbitos pela síndrome.
Segundo Cristiano Boccolini, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Observa Infância, a queda das mortes por Covid e da proporção em relação ao total de óbitos por SRAG indicam a eficácia da vacinação e a importância da ampliação da cobertura.
Para ele, apesar da relativa estabilidade dos números de óbitos em 2024, a situação é ainda muito preocupante. "Estabilização parece uma coisa boa, mas não é. Se a gente teve tempo e recurso, estar com os mesmos números de 2023 é péssimo."
Boccolini afirma que a percepção é que, com a alta da dengue, a Covid tem saído do foco dos gestores públicos de saúde.
"A notícia agora é só dengue, dengue, dengue. Para as crianças menores de dez anos, ainda não temos vacina, e para a Covid a gente tem. As crianças estão morrendo mais de Covid do que dengue", diz ele.
Em 2024, das 48 perdas, 26 foram de crianças abaixo de 2 anos; quatro entre 2 e 4 anos e 18 dos 5 aos 14 anos.
A vendedora Miriam Elaine Nadalon, atualmente com 33 anos, estava grávida de 32 semanas e com Covid quando a bolsa dela se rompeu, em 2021.
O bebê dela, Leandro Júnior, infectado de forma vertical, nasceu sob os cuidados da equipe dos Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) e ficou dois meses e 22 dias internado, mas não resistiu à doença.
"Ele era o estado mais grave que tinha lá naquele hospital. Estava sofrendo muito e os médicos fizeram tudo que foi possível. Foi terrível. Nem pude pegar no colo. Peguei quando ele estava sem vida já", lembra.
Nadalon estava vacinada, assim como a filha dela Ana Clara, que hoje tem 8 anos, e o restante da família, mas o pequeno não teve essa chance. "Liberaram ela para ver o irmão quatro dias antes de eles nos deixar e, até hoje, tudo ela lembra dele. Ele ia fazer 3 anos agora, no dia 31", lamenta.
A situação de tristeza também foi vivida pela família da bebê Helena Alves, de apenas oito meses, que morreu no último dia 28 de fevereiro por causa de complicações de Covid-19 e dengue.
A mãe dela, Gabriella Alves, 32, buscou dois hospitais e uma unidade básica de saúde em Planaltina, no Distrito Federal, e foi liberada de todas.
A criança faleceu em casa, e a família voltou a um dos hospitais, onde a equipe tentou reanimar a bebê. O laudo do IML (Instituto de Médico-Legal) mostrou que, além da dengue investigada, a garota também havia sido acometida pela Covid-19.
Milla Dourado, 31, publicitária, tia e madrinha de Helena, diz que o indicativo póstumo de Covid exigiu um sepultamento com caixão lacrado. "Isso foi mais um peso. A gente já estava lidando com a dor da perda precoce da Helena. Esse diagnóstico de Covid foi uma grande surpresa e nós fomos impedidos então de fazer o velório", conta a tia.
Helena era filha única e, segundo a família, estava com as vacinas em dia, mas ainda não havia recebido a de Covid por orientação da unidade básica de saúde que atendia a menina.
"A gente até hoje tem essa dúvida se era com seis meses ou acima de um ano, porque o posto de saúde que ela frequentava, que fazia o acompanhamento, não falou nada sobre a vacina da Covid", afirma a tia.
A vacina da Covid está liberada para crianças acima de seis meses desde o fim 2022 e, partir deste ano, entrou no Calendário Nacional de Vacinação
A madrinha lamenta ainda que Helena não tenha sido colocada em observação, como é necessário no caso de bebês.
"Gostaríamos de ter ouvido antes que as crianças menores de um ano precisam de uma abordagem diferenciada no pronto-socorro em caso de dengue", diz a tia. "Meu conselho é que briguem pelos direitos dos filhos de vocês. Solicitem observação nas crianças, porque elas se desidratam muito rápido. Se a Helena não tivesse sido mandada para casa, se ela estivesse sob cuidado de uma equipe especializada de saúde que pudesse detectar os sinais de hemorragia nela, provavelmente estaria aqui conosco."
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