Decisão do STJ beneficiou mulher trans de Santa Catarina com prisão domiciliar
A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa trans não é apenas uma decisão do julgador, mas, sim, a garantia do resguardo à liberdade sexual das pessoas e à integridade física e à vida das mulheres transgênero presas. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ
Essa conclusão é do desembargador convocado ao Superior Tribunal de Justiça Jesuíno Rissato, que deferiu liminar contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) para assegurar que uma mulher trans cumpra pena em presídio feminino.
Em sua decisão, o magistrado citou artigos da Resolução CNJ 348/2020, que dispõe sobre procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população LGBTQIA+ em cumprimento de alternativas penais.
“A matéria, ora apresentada, é relevante, pois reflete a situação prisional de várias pessoas na sociedade brasileira que, por ser, estruturalmente, uma sociedade racista, misógina, homófoba e transfóbica, tem um sistema carcerário violento e segregacionista”, observou ele.
Rissato relembrou que, de acordo com a norma editada pelo Conselho, “é dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas”.
Assim, foi restabelecida a decisão do órgão judicial de primeira instância, que havia beneficiado a presidiária trans com o regime semiaberto harmonizado, com monitoramento eletrônico. Ela cumpria pena em estabelecimento no município de Florianópolis, que, apesar de oferecer ala LGBTQIA+, não dispunha de espaço diferenciado para apenados e apenadas do regime semiaberto.
O benefício, no entanto, acabou suspenso por decisão do TJ-SC que determinou à mulher a volta ao presídio para o cumprimento da pena no regime semiaberto, após ela se mudar para a cidade de Criciúma. O argumento usado foi o de que o estabelecimento prisional masculino do novo local de domicílio conta com ala exclusiva para detentos do semiaberto. O ministro do STJ, no entanto, destacou que o espaço citado não tem ala exclusiva para pessoas trans, mas apenas para pessoas biologicamente dos sexos feminino e masculino.
Rissato sustentou que “a revogação da prisão domiciliar da paciente (mulher trans) para cumprir pena no regime semiaberto no Presídio Regional de Criciúma é absolutamente ilegal”.
Flávia Piovesan, coordenadora científica da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de Decisões e Deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF/CNJ), destaca que “é vocação maior do Poder Judiciário proteger direitos, especialmente em situação de acentuada vulnerabilidade”.
Para Piovesan, “a decisão está em total consonância com a necessidade de respeitar o direito à identidade de gênero, nos termos da Opinião Consultiva n. 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e da Constituição da República.”
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi, “a decisão demonstra a importância da Resolução CNJ n. 348/2020 no alinhamento do Poder Judiciário brasileiro à jurisprudência da Corte IDH, segundo a qual a possibilidade de escolha é fundamental para que a privação de liberdade não signifique múltiplas violações para grupos vulneráveis e estigmatizados”.
Para Lanfredi, com a decisão, o STJ avança na concretização dos princípios da igualdade e não discriminação com base na identidade e/ou expressão de gênero.
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