por Fernando Duarte / BN
A denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald por suposta participação na ação hacker contra políticos e autoridades públicas é mais um alerta de como a democracia brasileira está em situação delicada. Apesar de não ter sido alvo de investigação, ainda que por decisão judicial, um procurador federal optou por denunciar Greenwald sem muitos elementos, a não ser as convicções de que os diálogos interceptados entre o jornalista e o hacker sugerem um “aconselhamento” sobre o que fazer para preservar fontes. É pouco, mas pareceu o suficiente para que a liberdade de imprensa fosse colocada sob suspeita.
Pode-se discordar da linha de raciocínio de Greenwald ao trazer para o público o conteúdo de conversas privadas. Pode-se achar que houve invasão de privacidade. Pode-se pensar muitas coisas sobre o vazamento das informações batizado como Vaza Jato, iniciado pelo The Intercept Brasil e que depois teve repercussão nos mais diversos veículos brasileiros. No entanto, nem a Polícia Federal concluiu que houve crime por parte do jornalista que recebeu as informações do hacker. Se houve infração legal, até agora foi dos invasores dos smartphones dos envolvidos. Porém pouco importa para a grande massa, preocupada em endeusar a Lava Jato e crucificar quem tenha, de alguma forma, arranhado a imagem de salvadora da pátria da operação.
Greenwald não é tão heroico quanto tenta se pintar. Mas está longe de ser o vilão desenhado pelo Ministério Público Federal (MPF) com a denúncia – leia-se por um procurador específico que já deu margem para verificar certa parcialidade, já que partiu dele uma denúncia contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o ministro Sérgio Moro. Ele é simplesmente um jornalista, passível de cometer equívocos como qualquer outro cidadão. Porém é inegável que tenha prestado um serviço à democracia brasileira ao descortinar as relações pouco republicanas entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e outros atores do circo em torno das divulgações direcionadas de conteúdos.
Como liberdade de imprensa é algo que não tem combinado com o Brasil recente, o presidente Jair Bolsonaro ironizou a denúncia do MPF. Para ele, a acusação contra Greenwald é um exemplo de como a Justiça no Brasil merece crédito. Do ponto de vista de quem foi beneficiado com o lava-jatismo, cuja face endeusada acabou questionada pela Vaza Jato, é natural que o presidente o faça. Porém essa mesma Justiça não deve ser “acreditada” quando casos como o de Fabrício Queiroz e Marcelo Álvaro Antônio vêm à tona. É uma questão de se adaptar à realidade que melhor lhe convém.
Caso Greenwald tivesse sido investigado pela PF e houvesse a conclusão de que o jornalista participou ativamente da ação hacker, seria mais que natural a denúncia contra ele. Como isso não aconteceu, a manifestação do MPF contra o sócio do The Intercept Brasil é mais uma ferramenta oficial de perseguição à imprensa livre. Se essa linha continuar sendo cruzada, talvez já não tenhamos uma democracia real em que acreditamos viver.
Este texto integra o comentário desta quarta-feira (22) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Irecê Líder FM, Clube FM, RB FM, Valença FM e Alternativa FM de Nazaré.
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