Uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo e um sistema complexo de pagamento de impostos são os principais entraves para que o Brasil tenha um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Isso é o que mostra um estudo dos economistas Marcelo Curado e Thiago Curado dentro da série “Desafios da Nação” preparada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As informações são de Marth Beck n’O Globo.
Com base em um conjunto de fatores apontados pelo Banco Mundial como importantes para assegurar um bom ambiente de negócios (incluindo tempo para a abertura de empresas, custo para exportar, carga tributária e obtenção de alvarás), os especialistas definiram um indicador para medir a distância que os países estão das melhores práticas internacionais.
A variável é escalonada de zero a 100. No caso do Brasil, a pontuação média é de 56,2. Assim, para chegar à fronteira desejada é preciso avançar 43,8 pontos. O resultado é substancialmente menor que o observado em outras economias emergentes. Na China, por exemplo, o índice global é de 63,7. Outros exemplos são Malásia (74,9), México (71), Peru (68,3) e África do Sul (63,6). Entre os chamados Brics, só ganhamos — e por pouco — da Índia (55,2).
Considerando os indicadores individualmente, o trabalho mostra que o atraso brasileiro é bem mais crítico quando o assunto é o pagamento de impostos. Nesse quesito, o país obteve apenas 32,8 pontos, a maior distância do que seria considerado ideal. Isso significa que o país está a 67,2 pontos da fronteira desejada. Nos demais emergentes, o índice é mais favorável: China (60,3), Malásia (74,5), México (66,2), Peru (63,4) e África do Sul (79,3).
PIB PER CAPITA PODERIA SER MAIOR
No Brasil, também há dificuldades na obtenção de crédito (45 pontos apenas) e na solução de insolvência (51 pontos). O indicador no qual o Brasil apresenta melhor desempenho é na obtenção de eletricidade (83,4 pontos).
Os pesquisadores afirmam que, num exercício extremo, no qual o Brasil conseguisse atingir o nível mais avançado de desenvolvimento do ambiente de negócios, teria acontecido um ganho de 2,48 pontos percentuais no crescimento médio do PIB per capita, indicador da renda, entre 2010 e 2015. Se o país alcançasse o mesmo patamar da Nova Zelândia, país com melhor colocação no ranking (86 pontos), a taxa anual de crescimento do PIB per capita do Brasil teria sido 1,88 ponto percentual maior.
O estudo destaca a pouca atenção que políticas para melhorar o ambiente de negócios recebem no Brasil, o que atrapalha investimentos e a geração de empregos. “Os resultados obtidos sugerem que são urgentes a alteração desse quadro e a inserção do tema em nossas discussões sobre o crescimento”, diz o texto.
O pesquisador Marcelo Curado reconhece que o governo conseguiu avanços na agenda de reformas, como a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) — que passou a remunerar os empréstimos do BNDES com taxas mais próximas às de mercado, reduzindo distorções entre quem tem e quem não tem acesso a subsídios e incentivando maior competição — e a aprovação do cadastro positivo na Câmara dos Deputados. No entanto, na visão dele, o maior problema, que é a complexidade do sistema tributário, não foi atacado:
— Estamos dando passos em algumas reformas microeconômicas importantes. Mas ainda existem problemas mais gerais, de tributação e burocracia, que deixam o Brasil muito longe de ter a melhoria que a gente espera — diz Curado. — O ICMS, por exemplo, é um tributo com várias legislações por estado. Esse tipo de dificuldade, por ter uma legislação detalhada, com muitas regras, gera um custo enorme para as empresas.
Um resultado concreto das dificuldades que as empresas enfrentam para atuar no Brasil foi o anúncio, no início da semana, da saída da empresa britânica de cosméticos Lush do país. Em um comunicado, ela informou que o ambiente de negócios, combinado com a instabilidade política do cenário eleitoral, levou a sua retirada do mercado brasileiro: “O Brasil é um mercado muito difícil para a operação de uma marca britânica. Apesar do crescente aumento de vendas, a alta carga tributária e a prolongada recessão econômica, somadas à instabilidade política, impossibilitaram à Lush continuar investindo e lucrar no país”.
O problema não atinge apenas as grandes empresas. Aflige também pequenos empreendedores como Alessandra Pereira, que abriu a clínica de estética My Shape em São Paulo no fim do ano passado. Ela aderiu ao Simples, mas, além de considerar a alíquota alta (6% das notas fiscais emitidas), ela se queixa de toda a burocracia para pagar impostos e encargos trabalhistas das funcionárias.
— Tenho de registrar cada nota fiscal no site da prefeitura e imprimir muitos papéis. Sou administradora, com formação em finanças, mas, mesmo assim, preciso dos serviços de um contador para me organizar, o que aumenta o custo que tenho de embutir no meu preço final. O mais difícil é entender as regras. Há muitas exceções, e tudo muda o tempo todo. Se perder um prazo, tenho de emitir novas guias para pagar. Ficar antenada nisso tudo é difícil e toma tempo — diz a empresária.
CENÁRIO ELEITORAL DIFICULTA AINDA MAIS
Os especialistas há muito alertam para a necessidade de uma reforma tributária, mas afirmam que a complexidade do sistema vai muito além dos tributos federais. A intrincada legislação do ICMS gera guerra fiscal entre os estados e aumenta as dificuldades das empresas para escolher onde fazer investimentos. Para o pesquisador do Ibre/FGV José Roberto Afonso, há pouco espaço para discutir uma reforma às vésperas da eleição.
Ele defende que o momento seja aproveitado pelos técnicos para consolidar ideias mais concretas sobre como simplificar a tributação brasileira:
— Em fim de governo, não se faz reforma, até por prudência. Ideal seria aproveitar, enquanto o mundo da política se volta para a campanha, para o mundo dos técnicos melhorar os estudos. O debate tem sido raro, ralo e desatualizado, sobretudo em relação ao resto do mundo e à revolução digital — diz Afonso, que defende uma reforma ampla, que atinja as esferas municipal, estadual e federal. — Não há mais sistema, e sim um puxadinho de tributos caindo aos pedaços. Não adianta consertar um só tributo. O efeito colateral pode ser até pior. É preciso repensar todo o sistema.
O pesquisador também acha difícil que qualquer reforma reduza a carga tributária. em um momento em que o governo tem dificuldades para fechar as contas, é pouco provável que a equipe econômica abra mão de receitas. Para Afonso, primeiro é preciso atacar as despesas e reduzir a dívida pública:
— Se houver reforma para melhorar a forma como se cobram os impostos no país, já será uma grande contribuição.
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