Editorial, Folha de S. Paulo
O poeta T.S. Eliot (1888-1965) escreveu, em versos célebres, que o fim da civilização aconteceria “não em estrondo, mas num sussurro”. Caso não menos célebre, para os brasileiros, parece que vai terminando de modo semelhante.
A mala com R$ 500 mil, flagrada nas mãos do ex-assessor do Planalto Rodrigo Rocha Loures, uma semana depois de o presidente Michel Temer (MDB) ter indicado seu nome ao empresário Joesley Batista (JBS), ameaçou explodir toda a ordem política pós-impeachment.
O processo, agora, arrasta-se em entrechoques pronunciados a meia voz. Deram-se há pouco, na Polícia Federal, os depoimentos de Rocha Loures e de um executivo da Rodrimar, supostamente beneficiária -assim como a JBS- de um decreto que prolongava o arrendamento de áreas nos portos do país.
O segundo afirma que o primeiro “era um importante intermediário” nas negociações em torno do decreto, editado em 2017. O ex-auxiliar de Temer nega tudo.
Registraram-se, contudo, contatos entre Rocha Loures e o então ministro dos Transportes, Maurício Quintella, discutindo a medida. Gravação telefônica dá conta das comemorações entre ambos quando o decreto se oficializou. “Foi um golaço”, diz o ministro.
Embora sejam mais do que convincentes os sinais da atuação de Loures como lobista no centro do poder federal -e comprometedora ao extremo a atitude do presidente ao indicá-lo como interlocutor a um magnata afundado em suspeições-, o caso se dilui agora em meio a minúcias e contra-argumentações processuais.
Sabe-se de antigas ligações entre Temer e as atividades portuárias na cidade de Santos (SP). Ocorre, como ressaltam seus defensores, que o decreto não atendia a reivindicações ligadas a essa área.
Seja como for, restam os fatos essenciais: a mochila, o meio milhão, a conversa apontando Rocha Loures. Os depoimentos divergentes na PF correspondem ao que se espera num ambiente marcado pela completa promiscuidade entre interesses públicos e privados.
Tais aspectos concorrem, naturalmente, para que se imponha o aprofundamento das investigações do caso -em que o presidente da República é, sem dúvida, o responsável pelos sussurros finais.
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