AFP*A jovem Ayamar Bagon (c), supostamente estuprada por militares, na aldeia de Kyar Gaung Taung
Para alimentar seu bebê, Ayamar Bagon, uma muçulmana rohingya de Mianmar, tem que pedir esmola. Seu marido foi embora ao saber que quatro soldados birmaneses a haviam estuprado quando ela estava grávida.
A jovem faz parte das dezenas de mulheres que afirmam terem sido violentadas pelas forças de segurança nacionais durante uma operação militar lançada em outubro, no oeste do país, em represália pelos ataques aos postos fronteiriços.
Tachada de "política de terror" pela ONU, essa intervenção motivou a fuga de milhares de rohingyas para o vizinho Bangladesh.
Pela primeira vez desde a operação, a imprensa internacional teve acesso a essa remota região do norte do estado de Rajin durante uma viagem organizada pelo governo.
"Me estupraram no nono mês de gravidez. Viam que eu estava grávida, mas tanto fazia pra eles", conta Ayamar Bagon, enquanto brinca com a filha, na aldeia de Kyar Gaung Taung.
"Meu marido me recriminou que eu não tenha impedido. Por isso, ele se casou com outra mulher e, agora, vive em outro povoado", acrescentou.
Hasinnar Baygon, de 20 anos, mãe de dois filhos, também sofreu a rejeição do marido após ser violentada por três soldados em dezembro. Eles a levaram para uma cabana e a estupraram - um depois do outro. Estavam de uniforme e armados. "Via-se claramente que eram soldados", aponta.
Todos os homens fugiram por medo de represálias, deixando mulheres, crianças e idosos para trás nas aldeias.
"Segundo meu marido, eu sou culpada por não ter fugido", diz, desesperada.
A ONU estima que centenas de pessoas tenham morrido nesses meses, o que pode ter sido o episódio mais sangrento da longa perseguição aos muçulmanos rohingyas no país.
Mianmar considera os rohingyas como estrangeiros e apátridas, apesar de alguns deles já viverem no território há várias gerações.
- Estupro como arma de guerra -
Além dos estupros, os sobreviventes que fugiram para Bangladesh denunciam torturas, assassinatos e o incêndio de seus povoados.
O Exército e o governo birmanês dirigido pela ex-dissidente e Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi rejeitam as acusações, mas o país se opôs ao envio de uma missão de investigação da ONU ao lugar.
"Foram abertas investigações sobre as acusações de assassinato. De estupro também", afirma o chefe dos guardas fronteiriços do cantão de Maungdaw, San Lwin.
Os rohingyas de Kyar Gaung Taung contam que apresentaram ações por três casos de estupro dos 15 de que têm conhecimento, mas, segundo eles, nada foi feito.
Para evitar serem rejeitadas, "algumas mulheres não querem entrar na Justiça", garante um morador, que pediu para não ser identificado.
Há anos, as ONGs de defesa dos direitos humanos denunciam o uso do estupro como arma de guerra, por parte do Exército birmanês.
Em 2012, correram rumores de que muçulmanos violentaram mulheres budistas, o que deflagrou sangrentos confrontos. Mais de 120 mil rohingyas fugiram. Desde então, vivem em acampamentos de deslocados.
As rohingyas que sofreram abuso dão por certo que não se fará justiça. Ayamar Bagon se resigna: "sequer sei quem eles são. Como vou denunciar?".
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