por Elisa Clavery | Estadão Conteúdo
Foto: Ilustrativa
Prestes a ser votado na Câmara, o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) sobre a reforma política traz em seu texto um tema polêmico: pessoas físicas que contribuíssem com até três salários mínimos para campanhas eleitorais teriam o sigilo garantido, exceto à Justiça Eleitoral. A ação que, segundo o relator, serve para preservar os doadores - que hoje têm os nomes divulgados - teria escondido 86% das contribuições de pessoas físicas feitas nas eleições de 2016, as primeiras que proibiram o financiamento empresarial. O levantamento, feito por meio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomou por base o salário mínimo atual, de R$937. Para pesquisadores ouvidos pelo Estado, a medida atrapalharia a transparência nas prestações de contas e poderia ser uma brecha para as doações ilícitas e a falsificação de CPFs. "O grande risco é a gente ter uma democracia onde não se sabe quem custeia os candidatos", disse o presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo e coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Fernando Neisser. Segundo o advogado, a medida facilitaria o uso de "laranjas", isto é, pessoas que "emprestam" seus CPFs para o registro das doações, mas não são os verdadeiros financiadores das campanhas. Neisser considera ainda que o sigilo poderia criar espaço, por exemplo, para a atuação do crime organizado nas contribuições eleitorais. Além de doações de pessoas físicas, as campanhas também podem receber de partidos políticos, de outros candidatos e de recursos próprios. A mudança só valeria para pessoas físicas. Nas eleições municipais, mais de 384 mil doadores contribuíram com até três salários mínimos, o que rendeu R$ 305 milhões às campanhas. Isso representa 36% do que foi doado por pessoas físicas já que, apesar de as doações até três salários mínimos representarem mais de 80% das contribuições, elas alcançam um menor resultado financeiro. A reportagem não contabilizou doações estimativas - ou seja, quando alguém presta serviço ou cede algum bem ou material à campanha - nem doações feitas pela internet, que não estão previstas na proposta feita por Cândido. Mesmo contrário à medida, Neisser aponta um motivo para a reação do Congresso. Para ele, houve uma atuação exagerada nas últimas eleições por parte da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral com relação às pequenas doações. "Começou a se levantar suspeitas sem quaisquer outros elementos, apenas porque os doadores eram pessoas com pouca renda. Joga um véu de suspeita sobre cidadãos que podem participar como qualquer outro." Diogo Rais, professor da Faculdade de Direito do Mackenzie e pesquisador da Lei Eleitoral na FGV-SP, diz que não é surpresa o fato de a maior parte das doações de pessoas físicas não ultrapassar os três salários mínimos. "É o perfil financeiro da população brasileira, que já não têm o costume de doar muito." Segundo ele, o sigilo faria com que a própria pessoa indicada como doadora não possa ter acesso aos nomes de quem doou. "Não só a Justiça Eleitoral e o Ministério Público devem ter acesso aos dados. Nós estamos num jogo democrático e é necessário que se tenha transparência e acesso a todo sociedade." Rais avalia que existe um problema cultural no Brasil de desincentivo às doações, mas isso não seria resolvido deixando o processo ainda mais obscuro. "Esse sigilo não é para o cidadão, é para o político. Os órgãos de controle ainda terão acesso. Só tirou o acesso de alguns atores que têm uma participação fundamental." Para valer para as próximas eleições, a proposta precisa ser aprovada até outubro deste ano. A Câmara já prevê a discussão dos termos em agosto. Neisser, porém, duvida que a medida entre em vigor. "Essa é a típica medida que cai em controle de constitucionalidade. Isso viola o princípio republicano. Se isso vier a ser aprovado, o Ministério Público Eleitoral entra e consegue uma liminar." Procurada pelo Estado, a assessoria do relator informou que Cândido não iria se manifestar porque estava em viagem durante o recesso parlamentar. A Justiça Eleitoral não se pronunciou. BN
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