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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Como o Congresso registra seus próprios 'barracos'?

Leandro Prazeres*Do UOL, em Brasília
Discretos e quase anônimos, os taquígrafos e taquígrafas do Congresso são os principais responsáveis por registrar os "barracos" da política nacional. Esses profissionais registram tudo (ou quase tudo) o que é dito durante as sessões mais importantes do Congresso. Treinados de forma rígida, eles podem captar até 140 palavras por minuto enquanto uma pessoa normal, sem o uso da taquigrafia, chega a no máximo 30 palavras por minuto. Mas nem todo o treinamento a que são submetidos impede que eles vivenciem situações constrangedoras e, algumas, até engraçadas.

As confusões e bate-bocas entre parlamentares que marcaram o ano de 2015 no Congresso não são novidades para Paulo Xavier, 78, diretor aposentado do Departamento de Taquigrafia da Câmara dos Deputados. Ele conta que, ao longo de seus mais de 40 anos de carreira, passou por diversas confusões. 

Xavier diz que o treinamento em taquigrafia faz com que o profissional se concentre totalmente no que é dito pelo parlamentar que tem o microfone. Como a maior parte dos "barracos" acontece fora dos microfones, como os gritos dos deputados na sessão do Conselho de Ética da Câmara em que Zé Geraldo (PT-PA) e Wellington Roberto (PR-PB) tiveram de ser apartados, nem sempre o taquígrafo consegue captar tudo o que é dito.

Um exemplo de como nem tudo o que se fala no plenário é registrado nos anais do Congresso é o já famoso discurso do senador Fernando Collor (PTB-AL) em agosto de 2015. Em meio a críticas ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Collor o chamou de "filho da puta". No vídeo é possível ver e ouvir Collor ofendendo o procurador. "Se existem parcelas em atraso é uma questão comercial que diz respeito a mim e ao credor, não podendo jamais, em tempo algum, sob risco de uma grave penalização judicial a quem afirma que tal atraso se deve à falta de recursos escusos... Afirmações caluniosas e infames. Filho da puta", diz Collor, murmurando.

Na base de pronunciamentos do Senado, no entanto, a ofensa não está registrada.

A filha de Xavier, Denise Xavier, 51, que também é taquígrafa, diz que o material captado pelo taquígrafo não é exatamente igual ao que é registrados nos anais do Congresso. Ela explica que os discursos e as interrupções feitas ao microfone são captadas por meio da taquigrafia, transcritas e enviadas ao setor de revisão. Dependendo do "barraco", algumas ofensas podem acabar não sendo registradas uma vez que as mesas diretoras da Câmara ou do Senado podem decidir omitir as palavras de baixo calão, sobretudo se elas não foram ditas ao microfone. 

"Caberá à Mesa (Diretora) decidir se aquilo que não foi falado ao microfone deve ou não ser registrado", explica Denise Xavier.

Denise explica ainda que em casos mais específicos, o próprio parlamentar, ao perceber que "abusou" na hora de fazer um discurso, pode pedir a revisão do que foi dito. "Ele é o dono do discurso. Antes de o discurso ser registrado, os parlamentares têm um tempo regimental dentro do qual eles podem pedir a mudança de algum trecho", diz Denise. 

Na confusão entre Zé Geraldo (PT-PA) e Wellington Roberto (PR-PB), a chuva de impropérios e empurrões disparada pelos deputados foi resumida. 

O SR. DEPUTADO WASHINGTON REIS - Bagunceiro é você! Bagunceiro é você!
O SR. DEPUTADO ZÉ GERALDO - Fica bagunçando aqui atrás de mim. (Tumulto.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado José Carlos Araújo) - Vou suspender por 5 minutos a reunião. Está suspensa a reunião.

Aposentado do setor de taquigrafia da Câmara dos Deputados há quase 20 anos, Paulo Serejo, 80, diz que também já teve que taquigrafar confusões no Plenário, mas lamenta o "baixo nível" do parlamento atual. "O nível caiu extraordinariamente. Hoje em dia, tirando uma meia dúzia...orador mesmo, não tem mais nenhum", lamenta Serejo.

A reportagem do UOL entrou em contato por e-mail com as assessorias de imprensa do Senado e da Câmara dos Deputados para entrevistar taquígrafos em atividade ao longo da primeira semana de janeiro. A assessoria de imprensa do Senado informou, por e-mail, que "servidores do Senado não estão autorizados a dar entrevistas em nome da Casa".

Até o encerramento desta reportagem, a Câmara não havia retornado o contato feito por e-mail no dia 6 de janeiro deste ano. 

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