O rio São Francisco na divisa entre os municípios do Norte de Minas: mato alto e animais pastando onde antes havia corredeiras evidencia a extensão da crise. Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press
Buritizeiro, Pirapora e São Roque de Minas – Cercado em uma margem pelos encanamentos que despejam esgoto sem tratamento da cidade de Buritizeiro, no Norte de Minas, e na outra pelos dejetos lançados em córregos vindos da vizinha Pirapora, o Rio São Francisco – maior atração das duas cidades – se tornou um fio d’água extremamente poluído. Hoje, o que já foi um importante posto pesqueiro se resume a um leito quase seco, que mais parece uma estrada de areia e pedras. Não era para ser assim. Amanhã, completam-se cinco anos da promessa feita pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, no lançamento da ETE de Buritizeiro, garantiu que o projeto não seria deixado pela metade e que a revitalização do Velho Chico seguiria no mesmo ritmo da transposição de águas do manancial para bacias do semiárido nordestino. “Não é possível tirar água do Rio São Francisco para matar a sede de 12 milhões de nordestinos sem antes recuperá-lo”, discursou Lula, que citou ações como o reflorestamento para recuperar as matas ciliares e o tratamento de esgoto como medidas imprescindíveis. Hoje, elas estão paralisadas, como todo o programa geral de recuperação do rio.
As obras de Buritizeiro foram orçadas em R$ 12,5 milhões e incluíam a implantação de 100 quilômetros de redes coletoras e a construção da ETE, mas estão paradas desde abril de 2010. Foram abandonadas pela vencedora da licitação, uma empreiteira do Paraná. O presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) de Buritizeiro, Gustavo Lino Mendonça, afirma que, em vez de começar pela construção da ETE, a construtora iniciou os trabalhos pela instalação de redes de esgoto na periferia da cidade, onde os serviços ficaram incompletos.
Assim, quem não despeja o esgoto direto no rio o faz indiretamente, pois moradores ainda têm de recorrer a fossas, que contaminam o solo e consequentemente, poluem o manancial por meio dos lençóis subterrâneos. “Só fizeram a parte mais barata da obra. Mas a tubulação ficou enterrada e não poderá mais ser aproveitada. Para adequar o projeto, que também foi malfeito, e finalizar a nova ETE serão necessários R$ 24 milhões”, estima.
O assessor de Meio Ambiente da Prefeitura de Buritizeiro, Alisson Carvalho Lacerda, informa que a administração municipal encaminhou reivindicação à Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), que decidiu reformular o projeto e realizar nova licitação para a construção da ETE das redes de esgoto na cidade. A previsão é de que as obras sejam iniciadas em 2015. A tubulação que foi “jogada debaixo da terra” pela antiga empreiteira não será aproveitada.
Na outra margem do Velho Chico, no município de Pirapora, a poluição chega pelo córrego Entre Rios, que teve suas águas transformadas em um canal de esgoto a céu aberto. A estudante e balconista Ana Carolina dos Anjos, que trabalha em frente ao córrego, sonha com a despoluição do rio. “Deveriam instalar a rede de esgoto para evitar que os dejetos sejam jogados no córrego e depois caiam no São Francisco. No calor, o mau cheiro é insuportável, sem contar ratos, escorpiões, baratas e cobras que aparecem”, reclama Ana Carolina.
Em São Roque de Minas, cidade do Centro-Oeste do estado que abriga a nascente histórica do São Francisco, a ETE também não funciona, apesar de ter sido concluída no ano passado. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, André Picardi, a estação não entrou em operação porque as redes de interceptores foram danificadas por uma enchente e até hoje não houve a recuperação. “Só construíram as estações de tratamento de esgoto, mas, em quase todos os municípios, elas não funcionam”, disse o secretário, citando exemplos de Bambuí e Lagoa da Prata.
Serviço pelo meio e nascentes entupidas
A interrupção dos serviços previstos no Programa de Revitalização do Rio São Francisco começa nas primeiras nascentes do Velho Chico, no Parque Nacional da Serra da Canastra. Não bastasse a pior estiagem de todos os tempos, as obras de uma estrada ecológica prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram abandonadas em outubro do ano passado e o deslizamento de terras está entupindo várias fontes.
Os serviços foram orçados em R$ 51,37 milhões e a licitação foi feita em março de 2013, tendo como vencedora a empresa GPO – Gestão de Projetos e Obras. O objetivo seria a melhoria das condições de tráfego no acesso principal ao parque nacional. Também seriam executadas obras de drenagem e contenção de erosão dentro da área de preservação.
Em outubro do ano passado, logo depois do início do período chuvoso, a empreiteira interrompeu os serviços, alegando que o contrato seria reformulado. Ainda no fim de 2013 surgiram enormes crateras na estrada de acesso principal ao parque. A expectativa era de que, assim que passasse o período chuvoso, os serviços fossem retomados, mas, em agosto deste ano foi interrompido o contrato.
O secretario municipal de Meio Ambiente de São Roque de Minas, André Picardi, denuncia que o abandono dos serviços está provocando o assoreamento do Córrego Imbira, que nasce próximo à entrada da unidade de preservação e deságua no Rio São Francisco, além de garantir o abastecimento de água da cidade.
Obras malfeitas e mal planejadas
A assessoria de imprensa da Codevasf informou, por e-mail, que a ETE de Iguatama não funciona porque houve má execução de partes importantes da obra, como a instalação dos interceptores de esgoto, que seriam de responsabilidade da prefeitura – hoje sob nova administração. “Para a operacionalização do sistema, é necessário que a prefeitura promova os devidos reparos na parcela da obra executada sob sua responsabilidade”, afirma a companhia.
No que diz respeito a Buritizeiro, a companhia aponta a falência da empresa executora como motivo para a paralisação das obras da ETE. “Aliado a esse fato, houve a suspeita de que a área escolhida tecnicamente para a execução da ETE seria um cemitério indígena. Diante disso, a Codevasf contratou a readequação do projeto, com aproveitamento da rede já implantada.”
Em nota, a Copasa informou que assinou convênio com a Codevasf, que prevê investimentos de R$ 141 milhões em sistemas de esgotamento sanitário em cidades da calha do São Francisco, e que, do total, R$ 70,6 milhões já foram investidos. Argumentou ainda que espera a liberação de recursos e autorização da Codevasf para executar a recuperação de travessias dos interceptores que foram rompidos por uma enchente em São Roque de Minas. A Codevasf não se pronunciou sobre esse assunto.
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