Magdalena Martínez,Do El País - O Globo
MOTEVIDÉU. No Uruguai há oficialmente 580 mil armas registradas para uma população de pouco mais de 3,28 milhões de habitantes. Além disso, existe um significativo mercado negro. E as vendas estão subindo: apenas nos últimos quatro anos, mais de 50% em meio a uma onda de insegurança que, sob o ponto de vista do México, da Colômbia ou da Venezuela pareceria ridícula, mas, que, para os calmos uruguaios, é intolerável.
Onze da manhã do domingo no Clube Uruguaio de Tiro, situado a poucos metros do mítico estádio Centenário de Montevidéu. Distribuídas fileiras com um alvo ao fundo vários homens disparam causando um forte estrondo que, no entanto, não parece incomodar ninguém. Nesse local há sócios de toda a vida e também aqueles que querem tirar uma permissão. A lei atual submete os candidatos a um exame psicológico e a várias horas de aulas de tiro. Cada arma e a cada proprietário é registrado. Embora “ter” armas seja relativamente fácil, o “porte” de armas, isto é, o direito a levá-la qualquer lugar, é submetido a controles estritos. Dos 1.000 sócios do clube, só 20 têm o porte, segundo a administração.
Os depoimentos coincidem: o perfil do proprietário de uma arma no Uruguai é homem, geralmente pai de família, que defende o direito de “ter” para poder defender seu lar em caso de agressões externas. Basta interrogar um vizinho, colega de trabalho, médico ou professor e muitos reconhecerão que têm uma pistola em casa, em uma gaveta fechada, muitas vezes sem utilizar.
Mas muitas outras vezes as armas são usadas e, nesses casos, a legislação explica a paradoxal situação do Uruguai, um país onde o conceito de legítima defesa é especialmente protetor para o lar, considerado praticamente inviolável. Nesse contexto, abater um ladrão dentro do domicílio qualifica-se muitas vezes como “legítima defesa”. No meio de uma forte aprovação popular, os juízes tendem a ser piedosos nesses tipos de situações.
O ultimo caso ocorreu no dia 1º na localidade de Salto, no norte. Um aposentado de 64 anos matou com um disparo na cabeça um delinquente com antecedentes que estava roubando o seu botijão de gás. Depois de um interrogatório, o juiz liberou o agressor — sem o processar.
Gustavo Guidobono, diretor da Associação para o Desarmamento Civil, confirma que a arma é um “instrumento de segurança doméstica e patriarcal” no Uruguai.
No mesmo nível do Iraque
Algumas organizações civis afirmam que o número real de armas nas mãos de civis ronda um milhão de pessoas. Em todo caso, com 32 armas para cada cem habitantes, o Uruguai está no nível de países como o Iraque (34 armas para cada cem habitantes), muito acima da Argentina (10 a cada cem habitantes), Brasil (8 a cada cem) ou da Colômbia (6 a cada cem), mas longe dos Estados Unidos (90 armas a cada cem habitantes).
Mas Guidobono recusa essas comparações. Segundo ele, o Uruguai tem, em todo caso, “o melhor registro de armas da América Latina, onde o controle é muito relativo”.
Os sócios do Clube de Tiro, que preferiram não dar seus nomes, recusam a proposta de uma nova lei que prevê penas de até 12 anos de prisão aos proprietários de armas não registradas, uma rejeição compartilhada com setores políticos conservadores.
Guillermo Maciel é o analista em segurança do Partido Colorado, totalmente contrário à lei. Ele acha que o necessário é “desarmar os delinquentes, não aos cidadãos honestos”.
Maciel considera que as leis têm de fornecer mais elementos de autodefesa aos civis. Nesse contexto, o Partido Colorado apoia uma iniciativa parlamentar para o uso da legítima defesa e a permitir, por exemplo, que seja usado pelo em estabelecimentos comerciais.
No entanto, o presidente da Câmara de Deputados, Aníbal Pereyra, da Frente Ampla, afirma que a nova legislação combate o mercado negro e deixará um prazo de um ano para que os civis mudem suas armas ilegais por computadores portáteis ou bicicletas.
Em todo caso, ficará intacto um curioso privilégio para os deputados e senadores uruguaios, que têm direito de portar armas sem nenhum tipo de restrição. Um estudo do 2008 revelou que um em cada três legisladores tem uma arma, cifras que Pereyra considera totalmente velhas.
— Em 1950 proibiu-se a entrada de legisladores armados na Câmara e atualmente só se permite isso quando há necessidade de transportar dinheiro — afirma.
Guidobono indigna-se contra ser “cúmplice” e a manter “privilégios ridículos” para os legisladores e afirma: “os políticos uruguaios estão armados”, tanto nos setores da direita como no lado dos ex-guerrilheiros tupamaros da Frente Ampla e do presidente José Mujica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário