Durante a semana que passou o jornal O Tempo reproduziu, pelas mãos do repórter Rodrigo Freitas, a história da transposição do rio São Francisco, obra que o governo Lula apresentou como solução a uma das maiores tragédias que a natureza impõe, há séculos, ao Nordeste brasileiro e ao povo que nele habita. Ninguém é contra tal iniciativa, nem poderia sê-lo, embora também há séculos a pobreza extrema no Brasil coincidentemente esteja instalada em cidades localizadas à margem do mesmo São Francisco.
A série de matérias expôs, com isenção, riqueza de dados e qualidade editorial, o desperdício de recursos, uma consequência da irresponsabilidade administrativa, da falta de compromissos da gestão pública e dos equívocos de um planejamento feito tendo como meta resultados eleitoreiros e imediatistas. A obra, desde sua idealização e início da construção fora fartamente contestada por todos os segmentos que têm voz nesse assunto, por colecionar ações tão desmedidas que hoje sua imediata paralisação representaria uma economia e temporária solução.
Primeiro, pelos próprios equívocos do projeto, que fará concentrar a oferta de água onde a carência do recurso é absolutamente esparsa e ampla. A isso se segue o esvaziamento daquele rio como potencial ofertante de água, já que seus afluentes e subafluentes estão, todos, em franco esgotamento, pelos diversos agravos que sofrem das cidades e das populações que o margeiam.
AGONIZANTE
O Rio São Francisco está agonizando e, para isso, concorrem esgotos jogados em seu curso pelas cidades limítrofes, o desmatamento desregrado promovido por projetos feitos sem controle às suas margens e nas suas nascentes, gerando assoreamentos gigantescos e interferências climáticas. O rio precisa urgentemente ser revitalizado. E para sua recuperação, antes que essa loucura da transposição se adiante ainda mais, é preciso medir o que dele hoje se retira.
O médico e professor da UFMG Apolo Heringer Lisboa, cuja trajetória pessoal está marcada por orgulhosa dedicação à recuperação do rio das Velhas, em expedição feita no rio São Francisco, em julho do ano passado, documentou o que os governos deveriam prioritariamente assumir: se nada for feito pelo São Francisco, se as ofensas à sua natureza continuarem no ritmo que se acham, o rio vai secar, vai acabar, vai comprometer investimentos e expectativas que dele já dependem há décadas.
Dele, de seu curso, dependem três hidrelétricas, vários projetos de irrigação bem estruturados. Depende o fornecimento de água a um expressivo contingente de população e ainda a dessedentação de animais e a irrigação de culturas de alimentos.
Pode-se comprometer esse acervo? Por que não se considerou o projeto da Agência Nacional das Águas antes de meter o país nessa aventura da transposição, que previa a construção de adutoras e irrigação através de canais interligados? A quem se vai responsabilizar pelo desperdício de recursos públicos, pela corrupção já instalada no processo de construção dessa desastrosa transposição? Por que insistir no crime, no desmando, na incerteza e na irresponsabilidade, quando amargamos falta de recursos para remunerar necessidades básicas, historicamente desatendidas? (transcrito de O Tempo)
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