Uma reportagem de página inteira, publicada neste domingo nos jornais O Globo e Extra, ambos das Organizações Globo, aponta seus canhões para um grupo concorrente, que começa a incomodar os gigantes já estabelecidos. A pretexto de retratar um escândalo de espionagem em Portugal, o texto aponta as conexões do caso com o grupo Ongoing, que, nos últimos anos, tem feito grandes investimentos em mídia no Brasil. O Ongoing, sócio da Portugal Telecom e, indiretamente da Oi, já controla os jornais “O Dia”, “Meia Hora” e “Brasil Econômico”, bem como o portal de internet iG. Pertence ao empresário Nuno Vasconcellos e, no Brasil, é comandado por sua esposa brasileira Maria Alexandra Vasconcellos.
O primeiro ato de hostilidade das famílias de mídia nacionais em relação em relação ao Ongoing se deu no âmbito da Associação Nacional de Jornais, a ANJ, onde se questionou a propriedade estrangeira do grupo – a lei brasileira limita a 30% a participação do capital externo na mídia. No caso do Ongoing, isso foi superado devido ao fato de Maria Alexandra ser brasileira.
Agora, a segunda rodada dessa disputa está relacionada ao caso de espionagem. Leia, abaixo, a reportagem do jornal O Globo:
Escândalo de espionagem põe na berlinda superministro português
Jair Rattner Especial
LISBOA — Um escândalo ameaça o lugar do mais influente ministro do governo português. Miguel Relvas, titular da pasta dos Assuntos Parlamentares, está envolvido numa história que inclui espiões que favorecem empresas particulares, vigiam a imprensa e até ameaçam divulgar dados da vida privada de uma jornalista que questionava o ministro.
— É uma situação muito complicada para o governo, já que Relvas é o número dois do governo e controla o partido. Trata-se do ministro mais forte depois do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que lhe deve sua ascensão ao poder — explica o cientista político André Freire.
Tudo começou com uma investigação sobre Jorge Silva Carvalho, o ex-chefe de uma das agências de espionagem portuguesa, o Serviço de Informações Estratégicos e de Defesa (Sied). Em 2008, um jornalista do diário “Público” fez um texto sobre os serviços secretos usando fontes do Sied. Carvalho, então, mandou investigar quem tinha passado as informações e, para isso, era necessário saber quem tinha falado com o jornalista.
Como o serviço não tem autoridade para quebrar o sigilo telefônico e espionar em Portugal, foi utilizada a esposa de um agente que trabalhava na mesma operadora de telefonia celular usada pelo repórter. Com a lista de contatos na mão, começaram a questionar todos os agentes que telefonaram ou enviaram mensagens de texto ao jornalista — e o resultado disso levou à abertura de um inquérito policial.
Nesse período, Carvalho tinha saído do Sied e ido trabalhar para a holding Ongoing — proprietária, no Brasil, dos jornais “Brasil Econômico” “Marca” e “O Dia”. Na Ongoing, era presidente da empresa de serviços partilhados do grupo — recursos humanos, contabilidade — e fazia parte do conselho de administração de mais duas empresas. O convite para a Ongoing veio do presidente, Nuno Vasconcelos, que era membro da mesma loja maçônica de Carvalho.
Relatório sobre vida pessoal de ex-premier
Segundo a imprensa portuguesa, na Ongoing, Carvalho teria utilizado o Sied para fazer relatórios sobre personalidades com quem a empresa estaria negociando — e sobre adversários. Presidente do grupo Impresa — dono da TV SIC, do Jornal “Expresso” e da revista “Visão” — e ex-premier pelo mesmo PSD de Relvas, o empresário Francisco Pinto Balsemão teve a vida pessoal e os negócios expostos em um relatório.
“Quase 40 anos depois da instalação da democracia em Portugal, é lamentável que se continue a praticar esse tipo de método”, disse Balsemão, em nota. Carvalho também teria levado 1.800 pastas com informações quando saiu do Sied.
No mês passado, o inquérito chegou ao ministro Miguel Relvas — também membro da maçonaria — quando foi analisado o celular de Carvalho. Mesmo depois de sair do Sied, Carvalho enviava a Relvas relatórios elaborados pelo serviço secreto. Chamado ao Parlamento, Relvas disse tratar-se apenas de resenhas de imprensa e garantiu que nunca tinha tido acesso a relatórios confidenciais. Disse que apenas tinha se encontrado com o ex-chefe dos espiões em ocasiões sociais.
Apesar de o inquérito correr em segredo na Justiça, as informações continuaram sendo publicadas. Foi revelado que Carvalho teria proposto a Relvas, em 2011, uma reestruturação do Sied, colocando pessoas de sua confiança em lugares-chave.
A agenda de Carvalho, que estava no celular, revelava também um encontro com Miguel Relvas poucos dias antes de este ter assumido seu posto no governo. Estavam negociando um investimento entre a Ongoing e a empresa da qual era administrador. Chamado novamente ao Legislativo na quarta-feira da semana passada, Relvas desculpou-se por não ter revelado o encontro com Carvalho. Alegou ter sido um “lapso”.
Após a fala no Parlamento, a jornalista de política do “Público” Maria José Oliveira entrou em contato com o ministro, colocando mais algumas questões. Irritado, Relvas teria ligado para a editora de política do jornal, ameaçando um boicote por parte do governo. E ameaçou ainda colocar informações sobre a vida privada da jornalista na internet — ela namora um integrante do Partido Socialista, da oposição.
O caso ainda não teve consequências políticas para Relvas. No Parlamento, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho defendeu o seu número 2, dizendo que “Relvas comportou-se com correção e transparência”. Mas, na avaliação do cientista político André Freire, a situação de Relvas é frágil.
— Há uma fortíssima probabilidade de ele ter mentido ao Parlamento, e a reação à jornalista que ele ameaçou revela que ele perdeu as estribeiras. A ameaça era infantil. A história é pouco edificante, todas essas pessoas fazem parte de lojas maçônicas, que parecem ter se transformado numa sociedade secreta de troca de favores. Além disso, o caso transformou os serviços secretos portugueses numa anedota — resumiu. De 247
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