Por Daniele Madureira e Guilherme Bento | Folhapress
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
"Às vezes penso em comprar uma pizza, mas está passando Argentina e Canadá na televisão, por exemplo. Aí prefiro apostar naquele jogo, para ver se ganho e, com esse dinheiro, comprar a pizza. Mas se não ganho, acabo ficando no arroz e feijão mesmo."
O depoimento do universitário Osmar Neto, 20, ilustra um novo comportamento de consumo que ganha força no Brasil. Atraídos pelo dinheiro aparentemente fácil obtido por meio das apostas esportivas online, consumidores vêm reduzindo o ritmo de compras em outros segmentos, em especial de itens de vestuário, supermercados e viagens, de acordo com uma pesquisa da SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo).
O objetivo é encontrar no espaço no orçamento para gastar com as chamadas bets, um negócio que já movimenta R$ 110 bilhões ao ano no Brasil, com as casas de apostas faturando cerca de R$ 14 bilhões no ano, segundo dados da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias).
Osmar Neto, 20, estagiário, diz adiar ou abandonar a compra de certos produtos para ter dinheiro para apostar Karime Xavier Folhapress A imagem mostra um homem de barba e óculos, vestindo uma camisa preta, segurando um celular. Um relatório do banco Santander publicado em junho revela que a participação do varejo nos gastos das famílias caiu de um pico de 63% em 2021 para 57% em 2023. Ao mesmo tempo, as bets passaram de 0,8% da renda familiar em 2018 para algo entre 1,9% e 2,7% em 2023.
"Nós já vínhamos percebendo uma recuperação da renda do brasileiro no último ano, mas a retomada do consumo não acontecia no mesmo patamar", diz Ruben Couto, analista de varejo da área de pesquisa de ações do Santander.
"Em um primeiro momento, pensamos que o nível de endividamento do consumidor estaria freando os gastos. Mas o comprometimento da renda com dívidas também vem caindo. Daí começamos a prestar atenção a novos comportamentos de consumo, como as bets."
Quem é o apostador brasileiro de bets
A primeira empresa a comentar publicamente o deslocamento dos gastos para as apostas esportivas online foi o atacadista Assaí, em julho do ano passado. "Temos feito várias pesquisas que indicam que gastos novos entraram no bolso (...) O mercado de apostas esportivas aparece muito como algo que tira a renda do consumidor e, com isso, ele não tem conseguido retomar seus volumes de compra", disse o presidente do Assaí, Belmiro Gomes, durante a teleconferência de resultados do segundo trimestre de 2023.
Procurado pela Folha, o Assaí não atendeu até a publicação da reportagem, assim como o Grupo Pão de Açúcar e o Grupo Mateus. O Carrefour e a Renner não quiseram comentar. Já a C&A respondeu, por meio da sua assessoria de imprensa, que não identificou este movimento até agora.
A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) também foi procurada, mas não retornou. Em abril, o presidente da associação, João Galassi, propôs ao Ministério da Fazenda a taxação das bets com o Imposto Seletivo -o chamado "imposto do pecado", que recai sobre itens prejudiciais à saúde e ao ambiente- na regulamentação da reforma tributária.
No início de julho, o grupo de trabalho que tratou do assunto na Câmara dos Deputados incluiu a cobrança do imposto sobre os jogos de azar e as bets no relatório da reforma, que foi aprovada no dia 10 e agora vai ao Senado. A regulamentação das empresas de apostas esportivas e jogos online, discutida desde o ano passado, começa a valer em 1º de janeiro de 2025. Até lá, as bets deverão pagar R$ 30 milhões à União para obter autorização de exploração comercial.