Foto: Arquivo pessoal/ DorivalGSFilho
Dorival é a prova viva de o improvável pode acontecer, com vontade e determinação.
O homem, de 32 anos, passou boa parte da vida no lixão, recolhendo lixo para sobreviver com a família, e agora está prestes a concluir seu doutorado em uma universidade pública. Com informações do Geledes
Quem via o menino mirrado e tristonho de 4 anos, ao lado da mãe e das duas irmãs mais velhas, revirando o lixão da cidade de Piedade, no interior de São Paulo, atrás de objetos e produtos que pudessem ser vendidos e comidos, não imaginaria que quando adulto Dorival Gonçalves dos Santos Filho poderia ser um doutor em Linguística.
Sim, ele está na Universidade Federal de Santa Catarina.
Fome
A pobreza da família fez Dorival ter sua primeira experiência no lixão: “Nessa época, eu ainda não tinha noção de tudo que faltava, mas a gente passava fome. Fiquei doente, acho que era desnutrição”, lembra.
Enquanto o pai trabalhava na área de construção em outras cidades do Estado, e quase não ficava com a família, a mãe tinha a responsabilidade pelos três filhos – além de Santos, ela tinha duas meninas mais velhas, que tinham sete e dez anos.
“A gente conseguia de tudo no lixão: comida, roupa, mas o foco principal era tentar colher todo material que desse para vender e conseguir dinheiro”, diz. “Como era muito pequeno, eu ficava tentando achar brinquedo”, lembra.
Quando tinha cinco anos, ele e as irmãs percorriam as lixeiras da cidade atrás de materiais que pudessem ser reciclados.
Estudos
Precoce, aos seis anos, Santos foi matriculado na 1ª série. Todos os dias, ele acordava antes do sol nascer para percorrer a cidade atrás do lixo dos outros. Ao meio-dia, ia para escola.
“Meus colegas me viam recolhendo lixo e me chamavam de lixeiro. Na época, eu vivia muito triste, porque não tinha infância. Enquanto eles brincavam, eu trabalhava.”
Quando o menino tinha por volta de dez anos, o pai voltou definitivamente para casa. Mas o casamento acabou logo em seguida. Divorciada, a mãe arrumou um emprego como gari e os filhos tiveram de voltar para o lixão.
A partir dos 13 anos, quando concluiu a 8ª série, abandonou de vez a escola e passou a trabalhar quase exclusivamente (às vezes conseguia um posto temporário na colheita ou na plantação de morangos e alcachofras) no lixão pelos próximos dez anos.
Ele lembra com tristeza dessa decisão. “Foi triste largar a escola, mas eu não conseguia dar conta, ficava muito cansado. A partir da 5º série, eu estudava à noite, trabalhava o dia todo e não conseguia acompanhar as aulas”.
Invisível
No período em que trabalhou como catador de material reciclável, Dorival disse que se sentia como um ser invisível:
“Nesta época, percebi o quanto éramos invisíveis aos olhos de todo mundo. Nem mesmo os lixeiros dos caminhões olhavam para gente.”