Por Pedro Lovisi | Folhapress
Foto: Divulgação/Macaca Filmes/Renova
Antes áreas rurais, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, destruídos pelo rompimento da barragem de Mariana, hoje se parecem com condomínios fechados, como aqueles localizados nas regiões metropolitanas das grandes capitais brasileiras.
A Renova, fundação criada por Samarco, Vale e BHP para reparar os danos da tragédia de 2015, anunciou no mês passado ter finalizado 85% das obras nos locais. Grande parte dos moradores, porém, não está satisfeita.
Na segunda-feira (5), os moradores de Paracatu -como agora é chamado o antigo Paracatu de Baixo- se reuniram com funcionários da Renova para reivindicar maior celeridade da fundação na reparação de defeitos nas casas entregues. Eles também querem que a fundação se comprometa a prolongar o período em que custeará suas despesas.
O encontro foi marcado após alguns moradores impedirem na semana passada o acesso ao distrito de caminhões e ônibus carregando materiais de construção e trabalhadores terceirizados da fundação.
Esses moradores estão preocupados sobre como serão seus futuros daqui a cinco anos, quando acabará o vínculo entre a Renova e quem já recebeu a chave de casa. Até lá, a fundação custeará contas de água e energia, mas o receio é que depois desse período os alocados não consigam assumir as despesas.
Isso porque, antes da tragédia, muitos não pagavam parte dessas contas, recorrendo aos chamados "gatos".
Entre a tragédia e a entrega das chaves das casas nos novos distritos, os moradores foram alocados em residências no centro de Mariana, também custeadas pela fundação.
A reportagem esteve nos dois distritos no mês passado e constatou a diferença entre eles e os que foram destruídos pela lama em 2015. A começar pela localização, que não é a mesma dos antigos -no caso de Bento Rodrigues, a distância é de 12 quilômetros; já no de Paracatu, de 3 quilômetros.
Além das casas, os novos distritos criados pela Renova contam com igrejas, escolas (com telas interativas), ginásios poliesportivos, postos de saúde, linhas de distribuição de energia e estações de tratamento de água e esgoto. Realidade bem distinta, inclusive, do restante da cidade, que não tem tratamento de esgoto.
As casas, de fato, se parecem muito com aquelas de condomínios fechados para moradores de classe média alta. A escolha, segundo a Renova, foi dos próprios moradores, que puderam escolher, dentro de um catálogo de opções, a arquitetura e os detalhes, como piso e paredes, de suas residências. "A obra só teve início após a aprovação final do desenho pelos futuros moradores, que acompanharam todas as etapas", diz a fundação em nota.
Não há galinhas, gados, porcos e nem cavalos, como era comum se ver nos distritos antigos, principalmente em Paracatu de Baixo. O projeto das casas não possibilita a criação desses animais. O que se vê na região são ruas bem asfaltadas, casas bem pintadas e futuros espaços públicos bem planejados.
Mas a essência dos distritos antigos não existe mais, e os moradores sentem isso.
"Antes, por ser zona rural, as pessoas trabalhavam em suas casas ou na dos vizinhos. Hoje, não é área rural mais; não se pode ter galinha, porco nem nada", diz Romeu Geraldo de Oliveira, 49, morador de Paracatu de Baixo. "A Renova precisa criar um modo de sobrevivência da comunidade; alguma coisa que gere uma renda. Hoje, todo mundo aqui só sobrevive com o cartão emergencial que a Renova paga, então precisamos de emprego aqui dentro", acrescenta.
Como as novas áreas são mais desenvolvidas do que a dos antigos Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, os moradores também precisarão pagar IPTU (Imposto sobre a Predial e Territorial Urbano). Antes, parte de quem vivia no primeiro e todos do segundo pagavam apenas o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural), taxa que varia conforme o tamanho da propriedade, mas que costuma ser bem menor que o IPTU.
Hoje, a Renova paga o IPTU à prefeitura de Mariana como se os distritos fossem zonas de expansão urbana, onde o metro quadrado construído vale R$ 215 nas contas do município. O valor final, porém, depende de outros fatores como a qualidade do imóvel e do terreno.
De acordo com uma fonte que acompanha o assunto de dentro da prefeitura, os moradores dos novos distritos serão enquadrados na mesma categoria de demais bairros localizados em zonas de expansão urbana. Além disso, como as casas são mais estruturadas, é provável que eles tenham que pagar um valor adicional por isso -a não ser que, ao longo deste cinco anos, seja criada uma lei que defina condições específicas para quem mora em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
Desde 2021, Mariana teve quatro prefeitos, o que, na visão de técnicos da prefeitura, impediu discussões sobre o tema.
"A gente sabe que daqui a um tempo o pessoal vai voltar para o antigo Paracatu De Baixo, porque tudo que fizeram aqui é superdimensionado. É tudo muito fora da realidade que a gente vivia, então no final das contas o pessoal vai vender essas casas porque não terá como manter isso aqui", diz Romeu. Ele foi um dos moradores que lideraram o protesto da semana passada.
Hoje, já há lotes sendo vendidos nos novos distritos. Segundo a Renova, assim que as chaves dos imóveis são entregues para os moradores, eles podem colocá-los à venda.
Uma casa de três quartos e dois banheiros em Bento Rodrigues, por exemplo, está sendo anunciada por R$ 2,8 milhões por uma corretora de imóveis da cidade. "Oportunidade de morar no Novo Bento em casa toda em porcelanato e granito de primeira qualidade e rebaixamento de gesso com luzes embutidas no teto", diz o anúncio. Segundo corretores da região, as casas hoje à venda no distrito são oferecidas por no mínimo R$ 1,5 milhão.
"Tem muita gente de fora de Mariana procurando casa aqui, é como se fosse um ponto turístico; as pessoas não entendem que aqui era para ser um local humilde", afirma Eliana Santos, 41, moradora de Bento Rodrigues e ex-operadora de máquinas na Samarco.
De acordo com a Renova, 144 casas em Bento Rodrigues e 62 em Paracatu já foram entregues aos moradores. Além disso, 207 imóveis (incluindo públicos) em Bento Rodrigues e 84 em Paracatu já estão finalizados --a conta inclui aquelas residências que precisam de reparos, como os solicitados pelos moradores.
Eliana reclama do preço das mercadorias no novo distrito. Como os produtos vendidos na região vêm do centro de Mariana, eles tendem a ser mais caros do que os do restante da cidade -situação que já acontecia antes da tragédia. Agora, porém, a percepção é de que o desenvolvimento do distrito aumentou essa diferença, principalmente nas mercadorias não essenciais. Uma casquinha de sorvete com duas bolas custa R$ 12; esse também é o preço de uma lata de cerveja no bar.
"As pessoas de fora nos veem com o olhar de quem tem dinheiro, mas eles não sabem o que a gente passa para estar aqui. Nem tudo o que você vê é realidade", diz Eliana.
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