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Por maioria apertada, a 1ª turma do STF deferiu ordem em favor de homem absolvido após confessar tentativa de homicídio da companheira por ciúmes. Por 3x2, venceu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio. As instâncias ordinárias haviam ordenado novo Júri considerando que a decisão era dissonante com as provas.
O homem foi absolvido, da imputação de prática do crime de homicídio qualificado por tentar matar sua companheira a facadas. O MP/MG apresentou recurso de apelação contra a sentença, que foi provido pelo TJ/MG, que em síntese, aludiu que a decisão do Conselho de Sentença se encontrava dissonante com o conjunto probatório, e determinou a realização de novo Júri.
A Defensoria Pública de MG apresentou embargos de declaração, rejeitados pelo Tribunal. Em razão da negativa, a defesa interpôs recurso especial. O TJ/MG não admitiu o recurso aviado aos fundamentos de que o recurso implica em reexame de provas, segundo o Migalhas.
No recurso, a 5ª turma do STJ votou pelo não provimento. Ao STF, a defesa requereu um habeas corpus para reformar o acórdão, a fim de restabelecer a decisão absolutória proferida pelo Tribunal do Júri. Em seu voto, o relator, ministro Marco Aurélio, destacou que a Constituição assegura a soberania dos vereditos. O julgamento do Tribunal do Júri é o julgamento por iguais, por leigos.
"A partir da soberania dos vereditos, tem-se no artigo 483, parágrafo 2º, que respondendo os jurados aos dois primeiros quesitos (materialidade e autoria) de forma positiva, deve o corpo de jurados ser indagado se absolve ou não o acusado. Se absolve, tem-se o encerramento da quesitação. Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue", pontuou.
Para o relator, se os jurados absolvem, não há razão para prosseguir na quesitação e absolvendo, não se pode aplicar regra processual do CPP, segundo o qual se anula o Júri quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. "Não merecia censura a decisão primeira, pautada na soberania dos vereditos. Não podia o TJ gozar essa decisão e assentar que só serviria a resposta negativa", disse.
Os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber seguiram o entendimento do relator. Ao acompanhar os fundamentos de Marco Aurélio, o ministro Dias Toffoli destacou que é contra o Tribunal do Júri, mas que, como magistrado, não poderia fugir do que está na Constituição.
"Com a toga que me tem aos ombros eu alertei que essa é uma instituição disfuncional. Era melhor que os crimes dolosos contra a vida fossem julgados por juízes togados, e que não tivéssemos os custos e burocracias do Tribunal do Júri. Veja agora, com a pandemia, a dificuldade que é realizar o Tribunal do Júri. Os relatos são repugnantes, mas há a soberania do Júri e temos que respeitar, seja para condenar, ou para absolver", disse.
Já Rosa Weber ressaltou que se trata de situação muito delicada, mas que enquanto o Supremo não definir se tribunal pode determinar novo Júri de réu absolvido contra as provas dos autos, tema de repercussão geral do ARE 1.225.185, continuará a decidir na linha do relator, entendendo que há prevalência da norma constitucional.
Ao abrir divergência, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que o caso é uma tentativa de feminicídio, "um dos crimes mais graves que o Código Penal prevê e, lamentavelmente o Brasil é campeão de feminicídio, em virtude de uma cultura extremamente machista e de desrespeito à mulher".
Para S. Exa., ao permitir nova análise, a turma estaria ratificando o quesito genérico contrário à prova dos autos de legitima defesa da honra, "que até 10 anos atrás no Brasil era o que mais absolvia os homens violentos que matavam suas mulheres, namoradas, companheiras".
Moraes ainda destacou que não haveria ilegalidade ao fato de o TJ/MG ter entendido que a decisão foi contrária à prova dos autos, já que o próprio paciente admitiu ter tentado matar a mulher. "Se o novo Júri continuar nesse entendimento, não há o que se fazer, mas não se deve transformar um corpo de jurados em um poder incontrastável, sem qualquer possibilidade de revisão", disse.
Na mesma linha dos fundamentos de Moraes, o ministro Luís Roberto Barro foi enfático ao dizer que "não gostaria de viver num país em que os homens pudessem matar as suas mulheres por ciúmes e saírem impunes".
"Se o Júri tiver um surto de machismo ou de primitivismo e absolver alguém, o Tribunal não pode rever e pedir ao um novo Júri que revalide? Não ter uma chance de se rever uma situação em que um homem tenta matar a sua mulher a facadas confessadamente?".
Barroso destacou que o Direito Penal tem como seu principal papel o de prevenção geral, ou seja, fazer com que as pessoas temam praticar delitos pela probabilidade de serem punidas.
"Se chancelarmos a absolvição de um feminicídio grave como esse, pode parecer que estamos passando a mensagem de que um homem traído pode esfaquear a mulher em legítima defesa de sua honra. Não parece que, avançado o século XXI, essa seja uma tese que possa se sustentar."
O ministro finalizou seguindo a divergência proposta por Moraes: "O Direito não admite isso. O meu senso de justiça se sente ofendido ao se naturalizar uma tentativa de feminicídio como essa".
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