Por Tiago Angelo / Revista Consultor Jurídico
A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, afirmou em decisão que, "em razão da sua raça", um homem negro integrava grupo criminoso.
Na decisão, juíza diz que homem seguramente integrava grupo criminoso, "em razão da sua raça".
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A sentença foi proferida em junho, mas ganhou repercussão depois que a advogada Thayse Pozzobon, responsável pela defesa do réu, postou trecho do documento em suas redes sociais.
"Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que se deve ser valorada negativamente", afirma trecho repetido três vezes na decisão.
Acusado de furto, roubo e integrar organização criminosa, o homem foi condenado a 14 anos de reclusão. Único negro, ele foi julgado junto com outras oito pessoas.
Na decisão, a magistrada diz que o grupo "tentava parecer e se identificar como pessoas de aparência comum da população". Quem se destacava era o homem negro, "que fugia desse padrão" e tinha "fácil identificação".
Para Thayse Pozzobon, "associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo, ainda latente na sociedade brasileira".
Ainda de acordo com a advogada, "um julgamento que parte desta ótica está maculado". "Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira. o Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi las como fez a magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal".
À Conjur, Pozzobon disse que irá recorrer da decisão e acionar o Conselho Nacional de Justiça para que sejam tomadas medidas contra a conduta da magistrada.
"Não tem condição de julgar pessoas negras"
Em manifesto, os advogados Djefferson Amadeus e Marcelo Dias, do Movimento Negro Unificado (MNU), afirmaram que a juíza de Curitiba deve ser impedida de julgar outros negros.
"Uma parte bem pequena da magistratura há de envergonhar-se para sempre do dia em que uma juíza, não controlando aquilo que traduz o pensamento de uma maioria, expôs o que gritava em seu inconsciente: o racismo estrutural. Justo porque nada conhece, nada lera, embora já possa ter ouvido falar, achava-se na condição de dizer algo, sem dar-se conta que um dizer assim, não ancorado na Constituição, outra coisa não seria senão uma manifestação do seu inconsciente racista. Eis por que a lei e a Constituição existem: para impor-lhe limites [...] A juíza Inês Marchalek Zarpelon não tem condições de julgar nenhuma pessoa negra", diz o texto.
Ainda de acordo com o manifesto, "ao demonstrar total incapacidade de agarrar-se à Constituição para lutar contra o racismo estrutural, entendem estes advogados, com base no princípio da imparcialidade, que a juíza Inês Marchalek Zarpelon não pode julgar nenhuma pessoa negra por conta daquilo que denominamos de impedimento ou suspeição por racismo estrutural incontrolável".
"Erros de digitação"
Em texto atribuído a juíza, que circula no WhatsApp, a magistrada teria se defendido, afirmando que há dois erros de digitação na decisão. A mensagem também diz que a advogada Thayse Pozzobon agiu de má fé será processada.
"Está circulando nas redes sociais e sei lá mais ainda, trecho de uma sentença. É minha e estão atacando como uma manifestação dizendo ter cunho racista. Não é o caso. Quem me conhece sabe disso", afirmou.
O texto repete que o réu se destacou por ser negro. "Trata-se de uma sentença proferida em processo de associação criminosa onde os integrantes eram pessoas que facilmente podiam ser confundidos por terem aparência extremamente comum". O único que se diferenciava era o negro, diz.
O texto afirma que faltou uma vírgula e um "n" no decisão. Assim, a sentença deveria dizer: "seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça agia de forma extremamente discreta nos delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população".
Em nota, Cássio Lisandro Telles, presidente da OAB-PR, disse que a entidade se posiciona "firmemente contra o uso da origem racial como critério de condenação" e que a decisão "é um absurdo que retrocede anos da nossa história, negando o direito fundamental da igualdade".
Ele também informou a Thayse Pozzobon que conversou com o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira, e "o mesmo informou que já determinou a instauração de procedimento disciplinar na corregedoria".
Procurado pela reportagem, o Conselho Nacional de Justiça ainda não se pronunciou sobre o caso.
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Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
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