Médico infectologista do Hospital Emílio Ribas desde 1984, Jamal Suleimannunca havia visto a questão religiosa ser tão preponderante no óbito de um paciente. Isso até domingo, 3, quando assinou o atestado de um homem de 57 anos, sem doenças pré-existentes, morto em decorrência de coronavírus. “Ele não procurou um hospital por acreditar na orientação de seu pastor de que Jesus iria curar”, diz o médico. veja.abril.com.br
O que aconteceu? O paciente estava debilitado há mais de cinco dias e chegou com insuficiência respiratória avançada no domingo, 3, com todos os sintomas de Covid. Antes disso, ele esteve em uma unidade saúde de bairro, onde recebeu orientação de que, se piorasse, era para procurar um hospital. Só que pirou bastante e não procurou.
Por quê? A esposa dele justificou que o marido acreditou no pastor, que falou que Deus iria tratar do vírus. Além disso, ele pensou tratar-se de gripezinha como disse o presidente Jair Bolsonaro. A mulher tentou levá-lo ao médico, mas o marido não aceitou porque seu pastor afirmou que Jesus cura tudo. Essa morte com a questão religiosa tão presente me deixou muito abalado. Tem um outro detalhe.
Qual? Ele comprou na farmácia uma medicação chamada ivermectina, usada para tratar piolho por exemplo, mas que se espalhou em uma fake news de que poderia curar a Covid. Assim como a cloroquina, a ivermectina não requer receita. Na unidade de saúde onde esteve na semana passada, ele recebeu a receita de um antiviral, pois a equipe médica suspeitou de se tratar de influenza. Mas o paciente tomou esse remédio apenas na véspera de sua morte.
O paciente tinha doenças pré-existentes? Não. Era um homem de 57 anos, com corpo torneado devido ao trabalho de pedreiro. Ele terminou sua última obra duas semanas antes de morrer. Ao fim do trabalho, foi um processo rápido entre se contaminar, ter o estado agravado, recusar tratamento médico e morrer. Ele viva no Jardim Guarani, periferia de São Paulo, em uma casa com vários outros familiares. Não sabemos nem jamais saberemos qual seria o curso da doença se tivesse procurado um hospital, mas confesso que em mais de 30 anos de medicina nunca tinha visto alguém recusar tratamento por seguir uma recomendação do pastor, segundo o qual Deus iria curar. Pode ser que não mudasse a história do paciente, mas ele sequer tentou o caminho da medicina. É desolador.
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