Clóvis Rossi, na Folha de S. Paulo
Está se apertando o cerco ao único governante de esquerda radical que resta na América do Sul, o boliviano Evo Morales.
Os chamados “comités cívicos”, representantes da sociedade civil em oito dos nove Departamentos da Bolívia, deram um ultimato a Evo: ou anuncia que desiste de sua recandidatura à Presidência, na eleição do ano que vem, ou o movimento convocará uma greve geral e uma marcha sobre La Paz.
Evo fará um discurso na segunda-feira, 22, para um balanço das realizações de seu governo. “O presidente tem a oportunidade de pacificar o país neste 22 de janeiro”, avisa Juan Flores, presidente do comitê de Cochabamba, o terceiro Departamento (equivalente a Estado) mais importante do país, depois de La Paz e Santa Cruz de la Sierra.
A julgar pelo que diz Carlos Romero, ministro de Governo, uma espécie de Casa Civil, o presidente não pacificará os comitês cívicos: Romero antecipou ao jornal “El Deber” que Evo fará anúncios importantes mas não incluirá as demandas dos comitês no seu discurso.
Evo perdeu plebiscito em 2016, no qual buscava autorização para tentar em 2019, um quarto mandato consecutivo, o que contrariava a Constituição, que só permite dois períodos seguidos. Mas recorreu à Justiça e o Tribunal Constitucional lhe assegurou o direito de concorrer no ano que vem.
O ultimato dos comitês cívicos não se limita ao veto à reeleição: exige também que Evo não sancione o novo Código Penal, já aprovado pelo Legislativo.
A nova norma pune algumas atividades religiosas como, por exemplo, a conversão. Os críticos do Código dizem que ele viola o artigo 4 da Constituição, que prevê liberdade de culto – o que naturalmente implica a possibilidade de converter-se a qualquer credo.
Líderes religiosos insurgiram-se também contra artigo que legaliza o aborto.
A mobilização dos comitês cívicos não é a única demonstração de que o ambiente político na Bolívia está rarefeito: os médicos de Santa Cruz, o segundo maior Departamento, acabam de encerrar 57 dias de uma greve que obviamente desgastou o governo.
O fim da greve foi decretado pelos médicos, mas não foi acompanhado pelos demais funcionários da saúde, o que significa que a fermentação permanece latente.
É óbvio que, se os comitês cívicos cumprirem as ameaças de greve e marcha sobre La Paz, a situação ficará ainda mais tensa e complicada.
PS – Quando escrevo que Evo é o último esquerdista que permanece no poder, estou excluindo, claro, a Venezuela. Nesta, não se trata de um governo de esquerda, mas do que a revista “Economist” chamou de “thugocracy” ou “governo de gângsteres”, um clássico de outros tempos na América Latina, revivido pelos bolivarianos com o apoio de uma esquerda imbecilizada.
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