Nelson Breve defende a isenção como ponto de partida para todos os jornalistas e rebate as críticas sobre a suposta influência do governo no conteúdo dos veículos públicos
Luciana Lima/iG Brasília
O jornalista Nelson Breve: "A sociedade quer que jornalistas se portem de forma neutra"
Preparando-se para deixar a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para assumir a Secretaria de Imprensa da Presidência da República, o jornalista Nelson Breve segue um tanto reticente em falar da mudança. Na verdade, ele ainda prefere desconversar quando perguntado sobre o assunto, optando por dizer que só se sentirá de fato no posto após vir sua nomeação estampada no Diário Oficial da União.
Mas Breve já se considera de saída da empresa pública de comunicação. Em entrevista aoiG, ele falou sobre rumos da EBC, a respeito da credibilidade do jornalismo público, algo que considera ainda em fase inicial no Brasil, e abordou o que considera intolerável para os profissionais da área: a militância.
"Essa militância é intolerável para o jornalista. Ele quebra o seu contrato social com a sociedade", criticou Breve. "A sociedade não quer o jornalista militante, quer o jornalista neutro, que retrate uma situação a partir de seus vários ângulos, a partir de seus vários pontos de vista, para que o cidadão, aí sim, diante da informação descontaminada de pontos de vista, possa formar sua opinião."
Confira a entrevista a seguir:
iG - Muito se falou, por ocasião da criação da EBC, de que a empresa poderia, um dia, chegar a um modelo semelhante ao da BBC inglesa, uma empresa pública, sustentada com o dinheiro dos ingleses. O senhor acha que isso será possível no Brasil?
Nelson Breve - Sim, só que de uma ótica diferente. Nós não vamos ser uma BBC porque estamos mais perto do modelo americano do que do modelo britânico. Somos um modelo mais federativo, como a PBS nos Estados Unidos, formada por várias emissoras públicas. A BBC é um espelho para nós no sentido do que ela representa para os britânicos, no sentido de buscar esta referência como algo de credibilidade e orgulho. Mesmo em períodos de maior polêmica em relação ao conteúdo da BBC, a credibilidade dela perante o público britânico não é menor do que 60%. O público britânico tem orgulho. Então, eu acho que, neste sentido, devemos buscar [este modelo].
A BBC tem séries muito interessantes que fazem sucesso na Inglaterra e em todo mundo. O senhor acha que a EBC terá como produzir este tipo de entretenimento no futuro?
Em relação a conteúdos, nós precisamos é trabalhar em parceria com a produção independente. Acho que a missão principal da EBC é empacotar e programar conteúdos multimídia. Agora tenho que trabalhar com conceitos para todas as plataformas. Pensando que nossa missão é empacotamento e programação, é preciso saber pedir para a produção independente. Que eu possa até ser sócio da produção independente nas produções, sócio minoritário, porque aí a produção tem possibilidade de obter outros recursos incentivados. Por meio desta parceria chegaremos a resultados como este da BBC.
O caminho, então, é apostar em coproduções?
Eu quero dar exemplo sobre uma coprodução com a TV da Catalunha, que também contou com recursos da TV pública espanhola e que ganhou prêmios em três continentes diferentes. Chama-se "Descalço Sobre a Terra Vermelha". É uma produção que conta a história de Dom Pedro Casaldáliga e o debate teológico dele com o então cardeal [Joseph] Ratzinger na época. Ele chega lá para ser excomungado devido à Teologia da Libertação e convence o Ratzinger de que era fria querer a cabeça dele.
Mais alguma produção que o senhor destacaria?
Temos o nosso Igarapé Mágico, porque nós pensamos que teríamos de ter uma programação infantil que fosse digna de um prêmio internacional. Essa produção foi classificada, e isso já é um prêmio, para ser exibida no Japão em um evento sobre conteúdos audiovisuais.
A programação infantil é um ponto forte?
A programação infantil sumiu da TV aberta por questões do modelo de negócio. Você não pode vender o espaço publicitário para alguém que queira ganhar dinheiro estimulando o consumo das crianças. Agora, nossa missão é diferente disso. Então eu tenho a obrigação de colocar sem ter o compromisso de ter receita com isso. Isso faz com que a gente tenha uma programação infantil que realmente nos dá as nossas maiores audiências.
A presidente da República, Dilma Rousseff, que escolheu o jornalista para assumir a secretaria
Mais alguma?
Acho que haverá outras produções. A gente está aprimorando na qualidade, capacitando fortemente aqui nosso pessoal para que a gente consiga saber pedir, gerir uma questão e fiscalizar para aquilo que foi pedido ser aquilo que nos está sendo entregue. Nós podemos contribuir mais para que tenhamos mais conteúdos que possam ajudar na formação crítica das pessoas.
O senhor acha que o modelo adotado na formação da EBC emperra um pouco a penetração dos veículos da empresa na sociedade? Emperra o crescimento da audiência?
Não sei se o problema é este não. Em geral, a comunicação pública na América Latina surge muito recentemente. A comunicação comercial predominou no início da existência, tanto do rádio quanto da televisão. Quando se tem uma lógica de sustentação do modelo de negócio comercial, evidentemente, interessa obter audiências. Fazem-se conteúdos com os quais as pessoas terão automática identificação e gosto. Não se procura programar conteúdos que caiam no gosto das pessoas com um conteúdo que possa ajudar na popularização das culturas, da educação, da ciência. Este é um processo que vai demorar algumas décadas, não é imediato.
Mas há o problema do sinal, que também influencia na audiência. São necessários mais investimentos?
Toda vez que a gente melhora o nosso sinal a audiência aumenta, sem fazermos propaganda nenhuma. Na maioria das vezes, a pessoa está zapeando e passa batido porque a imagem não é a melhor que ela tem. Hoje estamos chegando a um padrão, temos problemas ainda em vários lugares, por conta também de nossos parceiros que estão com dificuldades de fazer os investimentos e acompanhar o avenço tecnológico, mas a gente já percebe que temos respostas na programação. Também é verdade que tem de se criar um hábito. Comunicação é o hábito. Às vezes a gente nem sabe porque, chega na redação, tem quatro ou cinco jornais, e pega um deles primeiro para ler. As pessoas chegam em casa e ligam a televisão não para assistir a determinado programa. Elas ligam a televisão naquele canal que estão acostumadas e assistem a qualquer coisa lá até chegar a hora do programa que querem realmente assistir.
O jornalismo público é um conceito recente no Brasil, que ainda conta com muita desconfiança das pessoas. O fato de ser custeado pelo governo e de a direção da empresa ser nomeada pelo governo não compromete a isenção que se espera da atividade? A ligação com o poder público não é um impeditivo para um bom jornalismo?
Acho que não. Discordo das pessoas que têm algumas críticas em relação a isso. A questão não está em quem nomeia: a questão está em quem fiscaliza. Eu tenho dentro da empresa um conselho formado pela sociedade civil que fiscaliza todo conteúdo nosso, nossa programação, dá diretrizes de programação. Tem uma ouvidoria bastante ativa, que presta atenção nisto. Somos a única empresa que precisa cumprir princípios que estão em uma lei, então tenho de cumprir aquilo e a lei diz que tenho autonomia em relação aos meus conteúdos.
Mas e na prática?
Vontade de interferir um monte de gente tem, de um lado e de outro. Sempre digo que o grande desafio do jornalista é deixar de ser cidadão para ser jornalista. Deixar de ser militante de qualquer causa para ser jornalista, porque a tentação pelo poder que o jornalista tem de formar uma determinada opinião, um determinado sentido, é uma tentação é muito grande. Ele precisa ser descontaminado desta tentação porque o contrato que tem com a sociedade é de estar absolutamente neutro em relação as coisas.
Mas o problema é quando o jornalista vira um mero reprodutor de assuntos que são de interesse do governo. Muitas vezes, ao deixar de ser cidadão pode-se também perder o olhar sobre o que é notícia.
Tenho certa discordância. Essa militância é intolerável para o jornalista. Ele quebra o seu contrato social com a sociedade. A sociedade não quer o jornalista militante, quer o jornalista neutro, que retrate uma situação a partir de seus vários ângulos, a partir de seus vários pontos de vista, para que o cidadão, aí sim, diante da informação descontaminada de pontos de vista, possa formar sua opinião.
Mas na própria seleção da cobertura já há um juízo de valor.
Eu não estou dizendo que é fácil. É muito difícil formar esta cultura, mas temos de persegui-la. Temos mecanismos que nos vigiam todos os dias e cometemos erros tanto de um lado quanto do outro, afinal trata-se de um conjunto de mais de 400 pessoas que trabalham com isso de apurar, editar e publicar informações. As pessoas são humanas e erram. Todos os dias tem um boletim da ouvidoria que vai para os gestores, não só do jornalismo, mas de outros aspectos da programação.
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