O ministro indicado para a Fazenda, Joaquim Levy, deverá tomar posse no dia 1º de janeiro. Ele não titubeou ao delinear as diretrizes imediatas de sua gestão, aprovadas por qualquer analista de bom-senso. São elas: melhorar a situação das contas públicas, afetadas pela gastança promovida pela presidente Dilma Rousseff no primeiro mandato, acabar com a “contabilidade criativa”, usada para iludir os incautos a respeito do desequilíbrio fiscal, e estabelecer metas críveis para a poupança do governo e para o crescimento econômico. Profissional respeitado no Brasil e no exterior, Levy sabe que, sem esses três pilares, dificilmente recuperará a credibilidade da política econômica e a confiança dos empresários, consideradas essenciais para a retomada dos investimentos privados e para recolocar o país na trilha do crescimento sustentável.
Para alcançar tais objetivos, Levy será obrigado a tomar ações duras e impopulares, como cortar gastos, aumentar impostos e subir os juros, para reequilibrar as contas públicas e conter a inflação. De todas essas medidas, a mais certa é a alta nos impostos. Ela envolve um custo político menor que o corte de gastos – e tem sido adotada por todos os governos, independentemente de partido, desde a Constituição de 1988. Levy terá pouca alternativa, senão adotar o receituário canônico para promover os ajustes fiscais necessários para arcar com o mastodôntico custo do Estado brasileiro.
Ele ainda poderá enfrentar o eventual impedimento de as empreiteiras envolvidas no escândalo do petrolão participarem de novas obras de infraestrutura e concluírem as que estão em andamento. Sem falar numa possível crise no Congresso Nacional, com a divulgação dos nomes dos políticos ligados ao caso, prevista para ocorrer no início do ano. Tudo isso deverá complicar ainda mais os duros desafios que ele terá pela frente. Os obstáculos prometem transformar sua jornada numa prova de resistência. Ela exigirá, mais que tudo, uma capacidade considerável de administrar conflitos e de manter-se em pé. Será que Joaquim Levy resistirá? Quanto tempo ele permanecerá no cargo? Ficará apenas para “fazer o trabalho sujo” e pôr ordem na casa, para depois ceder seu lugar a um sucessor heterodoxo, que abrirá de novo o cofre para preparar a candidatura de Lula à Presidência em 2018?
É difícil, hoje, dar respostas definitivas às questões acima. A seu favor, Levy terá a base aliada no Congresso – hoje rachada por parlamentares pouco subservientes ao Planalto –, além dos militantes do PT e dos demais partidos de esquerda que cerram fileiras com o governo em qualquer circunstância. Terá também o apoio dos milhões de brasileiros que não jogam no time do quanto pior, melhor – apesar de serem contra o governo petista.
Contra ele, Levy terá uma oposição aguerrida. Fazem parte do grupo as forças que decidiram adotar a tática de “oposição sistemática”, usada com sucesso pelo PT antes de chegar ao poder. A oposição também inclui a esquerda do PT e seus aliados. Eles não digeriram a nomeação de Levy, um “fiscalista” que apoiou a campanha de Aécio Neves à Presidência, antes de ser convidado por Dilma. Muitos eleitores de Dilma acreditaram em seu discurso na campanha eleitoral, a defesa intransigente do “nacional desenvolvimentismo”. Agora não aceitam uma reviravolta centrada na austeridade fiscal, considerada “de direita”.
Desde que o nome de Levy foi ventilado para a Fazenda, o “fogo amigo” vem se manifestando com intensidade nas redes sociais. Muitos dos críticos de Levy acreditam que sua indicação representa uma traição de Dilma às promessas de campanha. No final de novembro, um “manifesto de intelectuais” contra Levy obteve milhares de assinaturas e reuniu aliados improváveis, como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o líder radical do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, o teólogo Leonardo Boff e o cientista político e ex-porta-voz de Lula André Singer. “A campanha presidencial confrontou dois projetos. À direita, alinhou-se o conjunto de forças favorável à resolução de nosso problema fiscal não com crescimento econômico e impostos sobre os ricos, mas com o mergulho na recessão para facilitar o corte de salários, gastos sociais e direitos adquiridos”, diz o documento. “A presidenta Dilma Rousseff ganhou mais uma chance nas urnas não porque cortejou as forças do atraso, e sim porque movimentos sociais, sindicatos e milhares de militantes voluntários foram capazes de mostrar, corretamente, a ameaça de regressão com a vitória da oposição de direita.”
Além de enfrentar as críticas de fora do governo, Levy precisará também de habilidade para lidar com a chefe. Embora Dilma, aparentemente, tenha desistido de comandar, ela própria, a economia, seu comportamento no segundo mandato ainda está por se provar. Mesmo após a indicação de um ministro que defende a austeridade fiscal acima de tudo, e representa o contrário de tudo o que ela pregou até agora, é difícil assegurar que Dilma está mesmo resignada em admitir que a política econômica de seu primeiro mandato foi um fracasso. É como diz uma velha máxima do folclore político brasileiro: “No Brasil, ganha-se a eleição com a mão esquerda, mas governa-se com a direita”.
Ainda assim, diante dos graves problemas do país, que submergiu na “estagflação” – aquela combinação perversa de estagnação econômica com inflação em alta, que muitos brasileiros julgavam afastada para sempre da vida nacional –, não há alternativa a não ser torcer pelo sucesso de Levy. Seu êxito será um alívio para os brasileiros, sejam eles pobres, ricos ou remediados. http://epoca.globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário