SÃO PAULO - O crédito ficará mais caro e escasso este ano, tanto para empresas quanto para o consumidor, e será mais uma trava ao crescimento da economia. Este é o cenário traçado por economistas, professores e estrategistas financeiros ouvidos pelo GLOBO. Nas estimativas desses especialistas, a oferta de crédito deve crescer pouco mais de 10%, abaixo dos 11% registrados em 2014. Será o quinto ano consecutivo em que os empréstimos desaceleram, afetando o consumo, que foi um dos propulsores da economia do país até 2010. O resultado é que os mesmos especialistas preveem uma expansão bem próxima de zero do Produto Interno Bruto (PIB), que deve crescer apenas 0,6% em 2015, cravando mais um ano de estagnação econômica.
— Nos últimos anos, já estamos vendo uma desaceleração da oferta de crédito, que deverá se acentuar em 2015. Essa redução, combinada a uma queda no rendimento real das famílias, será um freio ao consumo, afetando o desempenho da economia — avalia a economista da consultoria Tendências Mariana Oliveira.
Em 2008, ano de crise internacional, a oferta de crédito no Brasil cresceu 30% e o PIB avançou 5,1%, mostrando que esse é um importante motor de expansão da economia. Mas, quando os empréstimos secam ou ficam mais caros, o efeito é contrário e o consumo tende a esfriar.
JURO MAIOR PARA CONSUMIDOR E EMPRESA
Tome o exemplo do bancário Marcelo Chicaroni, de 48 anos, de São Paulo, casado e pai de dois filhos. Ele já começou a calibrar o orçamento para este ano com muitos ajustes e cortes, além de fugir dos financiamentos, que estão com juros nas alturas. Ciclista nas horas vagas, Chicaroni desistiu de investir R$ 5 mil numa bicicleta profissional que tinha planejado comprar. Era possível dividir a compra em até dez vezes, mas ele achou melhor não fazer esse crediário. Também não vai repetir as férias com a família em Orlando, como fez no ano passado. A viagem começou a ser planejada com o dólar a R$ 2,40, no câmbio turismo, e quando aterrissaram de volta a moeda americana tinha pulado para R$ 2,72, desequilibrando o orçamento.
— Esse dinheiro que seria gasto em lazer ficará guardado e é melhor não tomar mais crédito por enquanto. Temos um cenário de aumento de preços generalizado, seja da mensalidade escolar ao seguro do carro, que preocupa. O melhor, neste momento, é evitar o crediário, com juros altos, e as compras supérfluas — diz Chicaroni.
Assim como ele, milhões de brasileiros estão evitando entrar no crediário e apertando o orçamento este ano, com medo do desemprego que já despontou nas montadoras de veículos e pode se alastrar para outros segmentos da indústria. Nas perspectivas da consultoria Tendências, o desemprego deve subir de 4,8% para 5,4% este ano. O dinheiro no bolso também está perdendo valor. E quem continuar empregado terá o salário corroído em mais 6%, por causa da inflação estimada para este ano, afirma a economista Mariana.
Ela observa, ainda, que a massa de rendimentos reais advindos do trabalho, medida pelo IBGE, também deve ter um crescimento pífio até dezembro. Se no ano passado houve crescimento de 3,5%, este ano ela não deve subir mais do que 0,8%. Será a expansão mais fraca da última década, limitando ainda mais o consumo, avalia.
— A queda na renda real aliada a um cenário de perspectiva de desemprego freiam o consumo e aumentam o risco das operações de crédito para os bancos. Para evitar uma alta da inadimplência, eles ficam mais seletivos na hora de emprestar e também aumentam os juros cobrados do consumidor — explica o professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo Ernesto Lozardo.
Quem pediu dinheiro emprestado aos bancos, ultimamente, já sentiu esse aumento. A taxa média de juros cobrada do consumidor chegou a 44,2% ao ano em novembro, segundo o Banco Central (BC). É o maior patamar da série do BC, que foi iniciada em março de 2011. A taxa refere-se às linhas de crédito oferecidas a pessoas físicas com recursos livres, em que as instituições cobram o que quiserem. Em outubro, os juros estavam em 44% ao ano.
— Como estão previstos novos aumentos da Selic este ano (economistas acreditam que ela irá dos atuais 11,75% ao ano para 12,5%) e há uma perspectiva de aumento da inadimplência, os bancos vão embutindo essas duas variáveis nas taxas cobradas nas linhas de crédito. Por isso, o crédito vai ficando mais caro — diz o professor de economia do Insper de São Paulo Otto Nogami, que lembra que a nova equipe econômica enfatizou em seu discurso que quer estimular a poupança, o que na prática significa menos recursos disponíveis no sistema financeiro.
Para as empresas, a busca do crédito também não vai ser das mais fáceis este ano, prevê o economista Ignácio Reis, da gestora de recursos Guide Investimentos. Uma das principais fontes de empréstimos, o BNDES já anunciou que vai fechar a torneira, além de cobrar mais caro pelo dinheiro. A instituição já elevou os juros cobrados das empresas (a taxa de juro de longo prazo — TJLP) de 5% para 5,5% ao ano, e novos aumentos são esperados. Na avaliação da Guide Investimentos, o crédito direcionado (que inclui operações rurais, financiamentos imobiliários e os recursos do BNDES) deve crescer apenas 16% este ano, frente a uma expansão de mais de 20% em 2014. Nas contas da Guide, o crédito total (incluindo recursos livres e direcionados) deve ter expansão de 11%.
— O BNDES anunciou que vai pôr o pé no freio no Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que, até o fim do ano passado, era responsável por 15,3% dos empréstimos totais às empresas. E a TJLP deve ter novos aumentos — diz Reis, da Guide.
CONSIGNADO E VEÍCULO SÃO EXCEÇÕES
As taxas de juros cobradas pelo BNDES nas linhas do PSI, que financia bens de capital, máquinas e equipamentos, entre outros setores, também vão subir este ano. Passam de 4% a 8% ao ano para de 6,5% a 11%. O valor total de recursos a ser emprestado por esse programa, por sua vez, caiu de R$ 80 bilhões em 2014 para R$ 50 bilhões. Bens que eram 100% financiados, como ônibus e caminhões, agora terão financiamento de até 50%.
Para as empresas, uma opção para levantar recursos seria recorrer ao mercado de capitais e oferecer ações na Bolsa de Valores. Mas o baixo crescimento da economia afeta esta opção. No ano passado, apenas duas empresas abriram capital no pregão, captando R$ 15,4 bilhões, o menor volume em sete anos. Outras seis companhias desistiram da operação. O crédito ofertado no exterior, em dólares, também ficou mais caro com a depreciação de quase 13% do real em 2014, desestimulando as empresas brasileiras a tomarem empréstimos.
— E quando citamos o mercado de capitais como fonte de recursos, estamos falando apenas de empresas grandes. As médias e pequenas empresas são as mais afetadas pela escassez de crédito e muitas acabam usando até cheque especial como capital de giro — diz Nogami, do Insper.
Mariana, da Tendências, vê sinais positivos no crédito apenas em duas frentes: no consignado, que teve os prazos de pagamento alongados (até seis anos para aposentados e oito para servidores públicos), e no de veículos, cuja retomada do bem, em caso de inadimplência, será feita de forma mais rápida, em até um mês, contra uma média de 210 dias, atualmente. Mas são movimentos isolados, destaca a economista:
— A relação entre a oferta de crédito e o PIB deu um salto de 25,7% em 2004 para os atuais 58%. Foi um desempenho notável. Agora, vemos esse ritmo perdendo fôlego. http://oglobo.globo.com
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