A ex-agente de trânsito Luciana Tamburini, durante blitz da Lei Seca, apreendeu o veículo irregular do juiz João Carlos de Souza Corrêa. Após divergências, a situação acabou na Justiça, com Luciana condenada a pagar R$ 5 mil de indenização ao juiz (Foto: Marcelo Theobald/O Globo)
"Ele (o juiz) tinha falado para o tenente da operação Lei Seca me prender. Eu falei: 'O senhor vai obedecer uma ordem manifestamente ilegal?'. Eu sempre ouvi essa frase do meu pai, José Henrique. Ele é militar, assim como meu avô, e desde pequena eu tive muito senso de moralidade e humanidade. A gente respeita quem respeita a gente.
Na infância vi meu pai tendo problemas por ser correto. Ele sempre falava pra mim e para minha irmã, Tatiana, que apesar de qualquer coisa, a gente tinha que fazer o que era certo. Meu pai sempre reclamou muito porque, no militarismo, eles mandam prender se você não acata uma ordem. E meu pai vivia desacatando ordem, dizendo que 'ordem manifestamente ilegal a gente não cumpre'. Sempre escutei isso e foi assim que agi naquela blitz de fevereiro de 2011 .
Passava da meia-noite e a PM parou o carro sem placa, eu nem estava lá no momento da abordagem. O juiz (João Carlos de Souza Corrêa) se identificou para os policiais, querendo ser liberado. O tenente ficou conversando com ele, enquanto o coordenador da operação, da Segov (Secretaria de Governo do Rio de Janeiro), me chamou de canto: 'Acho que a gente vai ter um probleminha ali porque o cidadão parou, diz que é juiz e quer ser liberado'.
Quando ele veio conversar comigo e eu expliquei os motivos da autuação, ele disse que eu estava sendo irônica e, por ser juiz, poderia me dar voz de prisão. Pediu que o tenente me prendesse, depois ligou para um delegado e, mais tarde, para policiais de fora da blitz. A viatura chegou e os PMs estavam com algemas em mãos. Eu disse que ninguém encostaria em mim e, na discussão, falei que o juiz não era Deus. Aí que fomos parar na delegacia. Medo todo mundo tem. Além dele ser magistrado, a mulher dele na época é influente, é ex-deputada. Mas não é como se eu tivesse mentido: dizer que alguém não é Deus é um fato, não é desacato.
Episódios como este são comuns com todo o tipo de gente, qualquer profissão. Eu estava acostumada, a gente sabia lidar com isso. É chato se acostumar com isso, mas é uma realidade.
Tenho 34 anos e eu nunca deixei passar uma carteirada. Eu não acho justo uma pessoa mais humilde, que para na blitz, está ali atrasada e só tem aquele carro que ela leva tomate pra feira. Você vê o choro e o desespero. Isso dói, ninguém faz isso feliz. Agora, se eu levava o carro dessa pessoa, por que eu não vou levar o carro de outros importantes?
Nasci em Canoas, no Rio Grande do Sul. Mas sempre morei no Rio de Janeiro. Sempre fui atleta e, nos treinos, aprendi a ter muita disciplina. Meus treinadores eram super éticos. A gente ficava revoltado: 'ah, o adversário tá roubando'. Ele dizia: 'você não vai fazer isso, você não pode fazer igual. Você vai ganhar limpo'. Eu sempre convivi com isso.
Nunca vi, em meus turnos, serem liberados com carteirada. Acho que nenhum dos meus colegas ali da fiscalização faria. Como nunca aconteceu comigo, eu não sei qual seria a minha reação. Lógico que o desapontamento iria existir.
A gente tem que se conscientizar que, principalmente no trânsito, não tem como carteirar. O trânsito é igual para todo mundo, não vai escolher vítima. O cara tá ali bêbado, acha que pode dirigir, sai, mata um terceiro que não tem nada a ver com isso. As pessoas têm que ter a consciência disso, não é só a vida delas, é a dos outros também. Pode até não estar preocupada com a delas, mas se preocupe com a dos outros.
Esse episódio pode surgir como uma melhoria para a sociedade no futuro. Espero que agora as autoridades comecem a repensar em dar uma carteirada, em dizer que eu sou isso, ou sou aquilo. A gente já tem mais consciência, a informação chega rápido, a população sabe o que é legal e o que não é.
Espero que haja uma mudança, porque fica muito feio pra eles. Uma pessoa que mancha o nome da magistratura. Se o judiciário ficar manchado e aí? Em quem a gente vai acreditar? É a justiça do nosso país. Hoje estudo Direito e deixei o Detran para fazer carreira na Polícia Federal, que era meu objetivo principal.
Eu não fiz nada de extraordinário, fiz só o meu trabalho direito, o que deveria ser normal. A Flávia (Penido) teve uma iniciativa ótima, muito mais criativa que a minha, criando a vaquinha online para pagar minha indenização (Até sexta-feira, já havia arrecadado mais de R$ 20 mil).
Ela ajudou uma pessoa que nunca viu na vida, que ela não conhece, que ela não sabe quem é. Entrei com recurso e pretendemos doar esse dinheiro para vítimas do trânsito que não tiveram oportunidade de receber uma indenização, que precisam de cadeira de rodas, de muleta, que seja.
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