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domingo, 20 de outubro de 2013

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem

Murilo Rocha
Certa vez, meu irmão, uma pessoa excessivamente desconfiada, recortou uma frase de uma revista e colou na parede do seu quarto. Era do Millôr Fernandes e dizia assim: “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.” Lembro-me desse episódio para entrar na polêmica em torno das biografias, as quais, como leitor, jornalista e pretenso escritor, defendo a liberdade total para os autores, com ou sem consentimento do biografado e seus familiares, justamente pela capacidade dessas obras de humanizar nossos ídolos, heróis, personagens da história… As melhores biografias são aquelas capazes de nos incitar a ambiguidade do biografado, sua genialidade e suas fraquezas, seu lado mais brilhante e também o mais obscuro.

Nelson Rodrigues (“O Anjo Pornográfico”) era sim um reacionário e não entendia nada de futebol, mas escrevia crônicas brilhantes e carregava uma sina de tragédias familiares. Assis Chateaubriand (“Chatô, o rei do Brasil”), um empreendedor sem nenhum escrúpulo, trouxe a TV para o Brasil. Trouxe literalmente, porque como conta sua biografia, no dia da primeira transmissão, ele precisou comprar diversos aparelhos de televisão e espalhar pela cidade do Rio de Janeiro, caso contrário, ninguém teria acesso à nova tecnologia. Davi Nasser (“Cobras criadas”), repórter brilhante, tinha momentos de achacador e algumas de suas grandes reportagens eram frutos de sua mente fantasiosa.

Se por vezes há exageros nessa humanização dos biografados, má-fé, difamações, informações equivocadas (e existem obras com todas essas coisas), há a mesma liberdade para quem se sentiu prejudicado processar o responsável e até pedir a proibição do livro, caso julgue necessário. É impensável a ideia de consulta prévia, de autorização para publicação, enfim, de censura. E mais surpreendente – e por isso lembrei-me da frase do Millôr – quando este posicionamento conservador parte de quem sempre foi visto por mais de uma geração como libertário.

O artigo “Penso eu”, de Chico Buarque, publicado ontem pelo jornal “O Globo”, em defesa da privacidade dos biografados, provou a falta de argumentos para barrar biografias não-autorizadas. O cantor se apega e pequenos casos pontuais para criticar a publicação dos livros sem o consentimento dos personagens envolvidos. Chico, Caetano, Gil têm entrada em qualquer jornal brasileiro e até internacional para denunciar informações equivocadas ou ataques pessoais em biografias sobre eles ou de terceiros nas quais são citados.

Não vou jogar pedra em toda obra do Chico por discordar de sua opinião. Ele, Caetano e Gil continuam sendo geniais compositores e figuras importantes na história recente do país, mas suas biografias, autorizadas ou não, já ganharam novos capítulos após esse episódio.

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