Ao falarmos na mentira usada politicamente relembramos que a mesma tem uma grande trajetória e a sua história se confunde com a história da polis em um contexto intricados das suas relações. A interação entre as cidades e a mentira, sugere sempre a presença do elemento psicológico na formação do Estado e por isso, tem uma característica de inseparabilidade, quando analisamos os fenômenos sociais e subjetivos que integram sua composição. A mentira analisada dentro desse ângulo passa a ser mais que um jogo politico, sendo usada pelos governantes ao sabor das suas próprias razões ou em razão do Estado, passa a determinar tanto o psiquismo do homem quanto da política. Ao estudarmos Platão e Maquiavel até Weber podemos observar que os mesmos já antecipa essa compreensão que a psicanálise pode fundamentar. O corte epistêmico maquiaveliano que retirou a ética do núcleo da ciência política dá à mentira um estatuto especial no seu corpo teórico, na medida em que concede ao governante direito ao uso de meios excepcionais para alcançar os fins almejados. É um modelo que tem provocado equívocos e incompreensões, pois a mentira da prática política contradiz a postura ética e termina provocando alianças com valores tirânicos e ditatoriais. Essa é a realidade e essência da vida politica, pois todo ser humano que se lança ao meio politico sempre oscila entre bondade versus crueldade e verdade versus falsidade.
Platão ao falar em relação ao uso da mentira em política compara sua aplicação ao uso que a medicina faz quando não conta a verdade ao paciente e até mesmo do veneno usado como finalidade curativa. Para os platonianos existem duas espécies de mentira: A mentira moralmente sancionada ou mentira útil, e a mentira considerada absolutamente condenável, a qual Platão se referiu do seguinte modo: "Por conseguinte, a mentira autêntica é detestada não só pelos deuses, mas também pelos homens". A minha intenção não é fazer uma exegese da interação entre a ética e mentira, mas examinar um pouco tais componentes psíquicos e políticos no ângulo da psicologia. A mentira, como o medo, tem uma função precisa no processo político, mas sua utilização - sempre discutível - implica o alvo da verdade maior. A questão da verdade é filosófica e tem se colocado como apriorismo do dever, uma obrigação ética que denota ao homem a condição de caráter e hombridade; falar a verdade sempre faz com que o politico seja considerado diferente dos outros, pois tradicionalmente todos os políticos são mentirosos.
Para Freud existem no homem o lobo e o cordeiro e eles estão continuadamente juntos, pois é o inconsciente que carrega o desejo e ele não conhece moralidade ou imoralidade e assim se permite realizar sem contradição no pensamento e na ação o que melhor lhe servir naquele momento. Se o campo é propicio para o lobo ele imediatamente se transforma em um animal predador e mentiroso, mas se o campo se torna mais propicio para o cordeiro, imediatamente a faceta da bondade se apresenta e conquista o seu melhor posicionamento. Lafer em seu artigo nos fala: "Por isso, numa democracia, teoricamente, a publicidade e a veracidade são a regra, e o segredo e a mentira são a exceção" (p.233). Tal pensamento nos faz entender que o segredo e a mentira, mesmo presente no psiquismo do homem, são usados por uma minoria politica. No entanto eu vejo a mentira politica como algo inerente a sua configuração de classe e a grande maioria dos políticos mente e usa uma falsa consciência para se fazer entender. E a prática da mentira tem sua origem na filogênese humano e, suas manifestações sempre foram submetidas às sanções e às leis constituintes do processo civilizatório.
Valter Leitão nos fala: “O homem pode dizer a verdade fingindo estar mentindo ou pode mentir passando-se por verdadeiro, e essa capacidade atualmente alcançou o nível da mentira eletrônica, com o desenvolvimento da parafernália comunicacional usada para monitorar o consciente e o inconsciente da maioria esmagadora da população mundial. Tal situação, no mínimo, põe a existência social da democracia entre parênteses e permite afirmar que o locus mais importante da mentira política moderna encontra-se na falsa consciência co-extensiva ao processo midiático à disposição dessa minoria narcisista internacionalizada”. A concepção de mentira que desenvolvo aqui, portanto, é sempre referida ao bem ou mal que o ato político produz no conjunto maior da população e ao sentimento de verdade psicologicamente determinado pelo bem-estar produzido no governante, pelas condutas eficazes e bem recebidas pelo povo, mesmo sendo tudo o que foi dito, uma grande mentira.
Texto de Maria José Gonçalves (Tia Nen) para a Coluna Tabocas
Psicóloga formada pela Universidade Salesiana de Vitória do Espirito Santo.
tianenreis@hotmail.com
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