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Los Teques, uma cidade de 400 mil habitantes e grandes congestionamentos, será neste domingo o centro da política venezuelana e, por extensão, da América Latina. Nas ruas estreitas e esburacadas da capital do Estado de Miranda, norte do país, chavistas ou anti-chavistas celebrarão a eleição de um governador. Em jogo, está a coesão do bolivarianismo e da própria oposição.
Os antagonistas sofrem o efeito de uma eleição presidencial iminente caso o protagonista, Hugo Chávez, convalescente de uma cirurgia contra o câncer, falte à posse em 10 de janeiro.
Se as bandeiras dos vitoriosos tiverem a cor laranja de Henrique Capriles, ele será “o” nome da oposição - já sem a garantia de consenso, mas diante de um chavismo cuja obsessão pela palavra unidade, repetida ao longo da semana nos comícios e na extensa lista de canais oficiais de rádio e TV, denota acefalia. Se forem vermelhas e tiverem estampadas a cara de Elías Jaua, Capriles estará sepultado politicamente, concordam analistas simpáticos ao chavismo e à oposição.
Os rivais lutam contra fissuras que começaram a aparecer tão logo Chávez, anunciou, no dia 8, que voltava a Cuba para a quarta operação contra um câncer em um ano e meio. Antes de embarcar no aeroporto de Maiquetía, nomeou o chanceler Nicolás Maduro como sucessor e disse aos seus eleitores, em resumo, “votem nele se algo me acontecer”.
“Chávez é como uma vaca. Em vez de leite, distribui aos seus ‘bezerros’ o dinheiro do petróleo. Eles, os altos mandos do chavismo, só estão juntos porque no centro está a vaca Hugo Chávez. Se ele morrer, os bezerros vão virar abutres. E vão querer comer a vaca de maneira anárquica”, avalia Alfredo Romero, professor de Direito Público e diretor do Foro Penal venezuelano.
Um dos críticos do chavismo mais respeitados do país, Romero argumenta que o regresso de Chávez a Cuba - 24 horas depois de chegar de Cuba - revela um pressentimento de divisão. Mas também mostra uma preocupação com a eleição deste domingo. “Pela primeira vez, ele não pôde levantar a mão de cada candidato. Aquela foi sua participação na campanha”, diz.
Entre o pronunciamento de Chávez e a eleição, o argumento de que uma vitória chavista nos 23 Estados seria um “presente” para “o líder que sacrificou sua saúde” foi usado exaustivamente pelos candidatos governistas. Na opinião de Romero, funcionou.
Caso Chávez não assuma em janeiro, caberá ao presidente da Assembleia, Diosdado Cabello, convocar novas eleições. Se o presidente tomar posse e não chegar até 2017 - seu mandato vai até 2019 -, a tarefa de chamar outra votação será de Maduro. Se houver um vazio de poder, o analista prevê que os “bezerros” tentarão tomar decisões em benefício próprio. “Há muito dinheiro e um controle político centralizado em jogo. Mas minha grande preocupação não tem um nome. É o Exército”, completa.
Diante da despedida do comandante, a oposição heterogênea, de partidos cuja única afinidade é derrotar Chávez, foi também abalada. Candidatos que disputaram as prévias vencidas por Capriles voltaram a falar como tal. A ideia é: mais de uma pessoa pode derrotar alguém que não é Chávez. “Não há um só projeto comum”, afirma o cientista político Nicmer Evans, considerado na Venezuela um raro “chavista moderado”.
“Eles têm dificuldade de imaginar um cenário sem Chávez, seu motivo fundamental desmorona. E cometeram um erro: Capriles voltou a disputar um Estado, quando poderia continuar sendo um nome nacional. Teve seus motivos, atender aos que financiaram sua campanha”. Essa crítica a Capriles, de ter arriscado sua projeção nacional, parte também de analistas ligados à oposição. “Se perder, ele está acabado. Se ganhar, pode nem assumir para disputar outra eleição”, avalia Evans, da Universidade Central da Venezuela.
As urnas costumam contrariar as projeções de pesquisas eleitorais na Venezuela. Governistas deixam vazar números que mostram Jaua em vantagem em quatro entre cinco levantamentos em Miranda. Mas a única sondagem dissonante aponta Capriles 26 pontos porcentuais na frente do rival.
O palpite da professora Carmen Torrealba, de 40 anos, é uma vitória de Capriles. Na quinta-feira, ela desviava das poças tequenses, a caminho de Tomás Lander, município vizinho, onde vive. Eram 20h45 e seu candidato, cujo comício deveria começar às 15h, não tinha subido ao palco - atraso semelhante ao de Jaua no discurso horas antes, a uma quadra dali. Carmen abandonou a festa animada com salsa, reggaeton e rap porque dependia de uma carona e já não havia transporte público.
Para justificar seu voto - e o de quatro irmãos - em Capriles, a professora primária citou a construção de casas e escolas. “Ele fez um bom trabalho”, garantiu, com pés e canelas acinzentados pelo cimento de obras que o temporal levava rua abaixo. “Mas Chávez também trabalha bem”, ponderou. “Espero que ele aguente. Também tenho oito irmãos chavistas”, concluiu.
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