“É uma história verdadeira, não é uma lenda”, diz Maria Madalena Florêncio Florentino enquanto segura a foto do avô. Nascido em Sorocaba na primeira metade do século XIX, Roque José Florêncio foi comprado por um fazendeiro de São Carlos (SP) e escolhido para ser “escravo reprodutor” no distrito de Santa Eudóxia. Familiares e um estudo afirmam que ele teve mais de 200 filhos e, segundo a certidão de óbito, morreu com 130 anos.
O documento, lavrado em 17 de fevereiro de 1958, aponta que Roque morreu por insuficiência cardíaca, miocardite, esclerose e senilidade.
A quantidade de filhos estaria contabilizada em um antigo livro da Fazenda Grande. Mas a família diz que não tem documentos que comprovem os nascimentos e procura os descendentes nas redes sociais. “No Broa tem, em São Paulo, Araraquara, mas, quando eu pergunto, dizem que não sabem. É uma incógnita”, afirmou o neto Celso Tassim, de 54 anos.
De acordo com Marco Antonio Leite Brandão, pesquisador da história de São Carlos, o documento mais antigo sobre escravidão na cidade é de 1817. Ele diz ainda que o auge da mão de obra forçada se deu a partir de meados da década de 1860, com a expansão do café.
“O mais importante, talvez, das pesquisas que realizei foi a identificação de uma rota de comércio de escravos entre a Província da Bahia, centralizada no município de Caetité, e São Carlos. Havia, de fato, um mercado de escravos, a Fazenda Babilônia, limite entre São Carlos e Descalvado”, afirmou. “Mas nada sobre reprodutores ou sobre Pata Seca”.
Para o psicólogo Marinaldo Fernando de Souza, doutor em educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) com uma tese que aborda a história de Pata Seca, a explicação para a falta de documentos está na desvalorização da memória negra.
“A história oficial tende a forçar o esquecimento da memória negra”, disse. “Em Santa Eudóxia existe uma história a ser vasculhada, a ser contada, e que fica relegada a um status de menor valor”.
Segundo Souza, estima-se que mais de 30% dos moradores de Santa Eudóxia sejam descendentes de Roque e o papel dele como produtor pode ajudar a explicar por que o número de escravos na região continuou a aumentar mesmo depois de restrições como a Lei Eusébio de Queirós.
“Se fosse um branco, não seria lenda. Ele é real, foi escravizado”, comentou. “Essa história precisa ser resgatada e não precisa de documentos. Os documentos são forjados em prol da elite branca. A memória negra precisa vir à tona”.
‘Pai de mais de 200’