Segundo psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da USP, quadro é semelhante à dependência química
Crédito: Shutterstock
Para o cérebro de alguém que joga, os mecanismos presentes no jogo do tigrinho e semelhantes são os mesmos que os de qualquer jogo de azar. São fatores de sedução que levam à dependência, segundo o médico psiquiatra Rodrigo Machado, pesquisador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Correio da Bahia
A dependência de jogos de azar se assemelha à dependência de substâncias químicas. “O jogo de azar é um comportamento que tem alta capacidade de sequestrar a atenção e a ativação de uma área que processa o prazer no cérebro. Essa área tem, como objetivo principal, reconhecer no ambiente tudo aquilo que pode ser gratificante e prazeroso”. Nessa região, a pessoa pode ter um pico rápido e intenso de dopamina, um neurotransmissor. “As pessoas falam que a dopamina é o prazer, mas ela é principalmente o desejo. É a motivação para ir atrás do que faz a gente sentir prazer”, acrescenta.
Esses jogos de cassinos online também têm se apresentado com características que realmente vêm do mundo dos games – inclusive, os infantis. Com um perfil mais ‘gamificável’, que está até no fato de serem coloridos e com interface amigável -, acabam atingindo um público mais jovem.
Atualmente, não há dados de prevalência no Brasil sobre o jogo do tigrinho e similares, porque seria necessário fazer estudos epidemiológicos mais recentes. No entanto, um perfil mais jovem já é perceptível nos consultórios. Se antes o mais comum era atender pessoas com mais de 40 anos, agora a idade é cada vez menor.
“Na dependência, muitas modificações ocorrem no cérebro da pessoa. Ninguém tira as memórias das experiências prazerosas que a pessoa teve. Por isso, existe falta de controle quando a dependência se instala e a pessoa precisa se afastar e criar mecanismos para o tratamento”, afirma Machado.
Entre as medidas, estão desde o bloqueio de sites de apostas e a busca de grupos de apoio até o acompanhamento multiprofissionais, com psicólogo e psiquiatra. Por vezes, pessoas com dependência em jogo desenvolvem outras condições psiquiátricas, como depressão e transtornos de ansiedade. Nesses casos, é possível associar o tratamento com medicamentos para os demais transtornos. “Existem medicamentos que podem ajudar a diminuir o desejo, mas o tratamento é prioritariamente comportamental”, completa o médico.
Em Salvador, um desses grupos são os Jogadores Anônimos, que se reúnem às terças-feiras, às 19h, no Centro Comunitário da Pituba. A irmandade funciona nos mesmos moldes de outras como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos.
Um dos jogadores anônimos é Everton, que está em abstinência há 15 anos. Ele conta que, depois da pandemia, foi possível perceber o aumento do fluxo de pessoas buscando acolhimento por conta da compulsão por jogos de azar – especialmente, eletrônicos. “Eu tenho uma certa idade e, quando eu jogava, tinha que ir a um lugar físico jogar. Hoje, a casa de apostas está aberta 24 horas por dia, na mão da pessoa. Tudo isso facilita”, alerta.
De acordo com eles, muitos são jovens. É comum que digam que a vida está ingovernável, que não conseguem parar de jogar. Na irmandade, eles usam a chamada terapia do espelho, que parte da premissa de que todos são iguais.
“Essa doença é progressiva. Cada dia com ela ativa faz você perder mais e mais. Por isso, a gente fala que sozinho é difícil. Mas a gente aconselha que, primeiro, tem que ser pelo desejo da pessoa. Se a pessoa seguir e levar a sério, pode conseguir se recuperar”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário