Black Friday, festas de fim de ano e um número incontável de promoções muitas à distância de um clique. O estímulo ao consumo próprio dessa época do ano leva a uma reflexão sobre quando o ato de comprar ultrapassa o limite da satisfação de uma necessidade, ou mesmo de um desejo, e passa a uma compulsão que não pode ser controlada, causando prejuízos ao indivíduo.
O psiquiatra da clínica Holiste, Luiz Guimarães, aponta que a chamada compulsão por compras faz parte dos comportamentos dependentes, aos quais também estão associados o uso de drogas lícitas ou ilícitas, jogos, sexo compulsivo, prática de exercícios e até comida.
“Muito se fala sobre as dependências químicas – álcool e drogas -, mas essas são apenas algumas das facetas dos comportamentos dependentes, que estão relacionados ao mecanismo de recompensa do cérebro. A pessoa pensa o tempo todo naquela experiência e fica presa naquele pensamento intrusivo. Além disso, ocorre a liberação de substâncias, como a dopamina, no cérebro, e tudo isso é associado na dependência. A pessoa não consegue não fazer. As dependências comportamentais são caracterizadas pela recorrência de impulsos, onde se realiza esse comportamento específico e mantém apesar das consequências negativas ou danosas”, explica Luiz Guimarães.
Na compulsão por compras, assim como em outros comportamentos compulsivos, não existe a satisfação de uma necessidade e nem de um desejo, mas sim um impulso para consumir sem qualquer objetivo específico ou necessidade. A ansiedade antes da compra, a compulsão e o arrependimento, logo em seguida, são características desse quadro. Sem ajuda, o problema pode causar, além de dívidas cada vez maiores, depressão e isolamento social.
“A compra compulsiva pode gerar transtornos quando começa a representar um prejuízo financeiro ou emocional. Acontece uma espécie de inversão de papéis: a pessoa perde a autonomia em escolher e se torna refém do ato de comprar compulsivamente. Ou seja, deixa de ser agente de suas decisões diante do fascínio exercido pelos objetos que quer adquirir. Um vez adquirido, o objeto perde o brilho, a angústia retorna e o ciclo angústia-compra-frustração se repete indefinidamente”, aponta o psicólogo André Dória.
O psicólogo Pablo Sauce destaca que, para avaliar o que causa o comportamento dependente, é preciso olhar para três fatores. A questão biológica ou genética (fator somático), a interferência sociocultural ou fator ambiental, e o psicológico, subjetivo, ou fator mental. É a interação desses três fatores que sustenta o comportamento.
“Não adianta irmos atrás do objeto da dependência pois podemos, a todo tempo, acrescentar algo nesta lista. Temos comportamentos dependentes relacionados às substâncias, ao ato de comer, às compras, ao jogo, e diversos outros. O que caracteriza a compulsão são elementos como o imediatismo, uma vontade que se impõe e a impossibilidade de não obter satisfação. Isso leva ao recuo do confronto com a insatisfação da realidade externa, fazendo a pessoa se entrincheirar na realidade psíquica, apoiada em um ou outro objeto de satisfação. Somos capazes de escolher a dor e até a morte em nome de uma satisfação, e a dependência nos mostra isso”, alertou o especialista.
O tratamento das compulsões é individualizado, podendo ser indicada a psicoterapia e, nos casos mais graves, medicação. Como muitas vezes a pessoa não se percebe como compulsiva, o paciente chega ao tratamento através da família ou de pessoas próximas, por isso é importante ficar atento a comportamentos que possam indicar compulsão.
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