Um estudo feito com bebês de mulheres infectadas pelo zika na gestação mostra que um terço deles registrou algum atraso no desenvolvimento até dois anos e oito meses após o nascimento. O achado indica que o vírus pode provocar problemas neurológicos, visuais e auditivos mesmo em bebês nascidos sem microcefalia ou qualquer outra anormalidade.
Responsáveis pelo estudo, os pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vêm acompanhando 216 bebês nascidos entre 2015 e 2016 no País. Todos eles são filhos de mulheres que tiveram a infecção pelo vírus confirmada em algum momento da gravidez.
De acordo com a pesquisa, publicada na última segunda-feira na revista científica Nature Medicine, 68 das 216 crianças avaliadas (31,5%) tiveram problemas neurológicos detectados no período de 7 a 32 meses de idade.
“O problema mais comum foi atraso no desenvolvimento da linguagem, mas observamos também atrasos motores e cognitivos”, destacou a pediatra Maria Elisabeth Moreira, pesquisadora da Fiocruz. “Nossa intenção é monitorar essas crianças até a idade escolar”, destaca a médica.
De acordo com a especialista, embora não seja possível afirmar que todos os casos de atraso sejam sequelas do zika, há uma associação entre a infecção e os problemas no desenvolvimento. “Há outras causas para atrasos no desenvolvimento, mas vemos uma associação porque temos um grupo controle de bebês, de mães que não foram infectadas pelo zika, e, nesse grupo, o índice de bebês com problemas no neurodesenvolvimento é de 15%, metade do registrado no grupo de bebês de mães com zika”, explica ela.
Os resultados da pesquisa reforçam descobertas feitas pelo mesmo grupo logo após o início da epidemia de zika e microcefalia no País. Na época, os cientistas já verificavam que as sequelas da infecção poderiam aparecer meses após o nascimento.
Agora, com as crianças mais velhas e a possibilidade de um tempo maior de monitoramento, os cientistas concluem que o aparecimento dos problemas pode ser ainda mais tardio.
Inverso
Os cientistas também acharam entre os bebês monitorados casos inversos, ou seja, nos quais o bebê nasceu com alguma anormalidade e se desenvolveu normalmente depois.
Do total de crianças acompanhadas, 49 apresentavam algum problema logo após o nascimento, mas 24 delas (49%) tiveram avaliações normais no segundo e terceiro anos de vida.
Entre os bebês com alguma anormalidade, oito haviam sido diagnosticados com microcefalia. Destes, dois voltaram a ter um crescimento cerebral adequado, sem apresentar, no decorrer do crescimento, qualquer problema neurológico, motor, visual ou na linguagem.
Maria Elisabeth destaca que esses dois bebês puderam ter uma boa evolução porque, embora tivessem perímetro cefálico abaixo do adequado ao nascer, não tinham lesão cerebral, diferentemente da maioria dos bebês com microcefalia.
Para a especialista, ambos os achados do estudo reforçam a necessidade de monitoramento constante dessas crianças para detecção de eventuais sequelas tardias e do início precoce das terapias de estimulação para que eventuais anormalidades detectadas no nascimento possam ser revertidas ou minimizadas.
Esse cenário, porém, ainda está longe de ser alcançado no Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde, dos 3,3 mil bebês nascidos com má-formação causada pelo zika entre 2015 e 2018, só 35% têm acesso à estimulação precoce.
Outro problema é a falta de recursos para pesquisas que mostrem o impacto das terapias de estimulação nessas crianças. “Precisamos de mais investimentos. Tentamos, mas não conseguimos financiamento para essa pesquisa”, diz Maria Elisabeth. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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