Luiz Vicente Figueira de Mello Filho
No início da década de 1920 a cidade de São Paulo teve duas propostas concorrentes que traçaria o futuro do município: de um lado o Plano de Avenidas, conduzido pelo engenheiro e arquiteto Prestes Maia; do outro, o Plano Integrado de Transportes, promovido pela concessionária Light, detentora do transporte público por bondes.
A primeira focava no alargamento das avenidas, sendo a principal modalidade de transporte o automóvel, a outra opção, na integração dos transportes públicos coletivos, ligando o bonde ao ônibus, que incluiria uma via subterrânea do centro da cidade à Av. Paulista.
Eram propostas distintas e ambas visionárias visto que nessa época não havia a indústria automobilística como temos hoje e nem ônibus transitando com frequência. Quem ganhou? O Plano de Avenidas! Sim, a cidade foi planejada para o automóvel e depois para o transporte coletivo por ônibus.
Passados praticamente cem anos, a cidade vive mais um dilema: persistir no automóvel ou investir em outros meios de condução, mesma que seja na forma de micro mobilidade e multimodalidade?
O patinete, que remete muito a infância, leve, não amassa a roupa do trabalho e é habilitado por aplicativo, quebrou muitos paradigmas em poucos dias de existência, que a bicicleta compartilhada e conectada, há anos não consegue esse feito. E agora? O que se faz?
Simples! Regulamentação de forma restritiva que já são feitos com os automóveis, pelo rodízio; com os caminhões em tamanho reduzido, conhecidos como VUCs; ônibus fretados com cadastramento e taxas para pagar; e os ônibus coletivos, restritos às faixas exclusivas. As motocicletas? Essa modalidade não tem restrições, assim como os caminhões betoneiras, o progresso tem que continuar!
Pois bem, a invasão dos patinetes foi regulamentada na cidade. A bicicleta? Subentende-se que sim, se for enquadrado como ciclo e assemelhados, já que o monociclo também começa a fazer parte do cenário da micro mobilidade.
A velocidade da regulamentação dos patinetes, motivada pelo número de acidentes, concorrência com outros modais pelo mesmo espaço, incluso os pedestres, traz desafios para as partes interessadas e são pontuadas a seguir:
O capacete, independentemente da obrigatoriedade, deve ser utilizado por uma questão de segurança viária ao usuário e associado ao limite de velocidade, que pode ser controlado via tecnologia embarcada, assim como as rotas permitidas. A questão está na fiscalização, como aferir que um patinete se está na velocidade permitida na via? Como o Código de Trânsito Brasileiro – CTB trata essa condição? Nas regras de circulação pelas Resoluções nº 315, de 2009 e nº 465 de 2013, estabelecem que o patinete, em questão, pode utilizar as vias de pedestres quando a velocidade não exceder 6 km/h, que não se alinha com a nova regulamentação, proibindo a circulação nas calçadas, e foi utilizada para atender, em grande parte, os cadeirantes.
A fragilidade quanto a não definição do CTB e ponto que contradiz a resolução do Contran abre margem para que as empresas de locação digital, mesmo sendo penalizadas, recorram no âmbito jurídico. A determinação do ponto de locação e entrega dos patinetes são ações positivas e podem se estender ao trajeto, que traz segurança para quem utiliza o patinete e os pedestres, principalmente. Além disso, o CTB não provê placas de identificação e licenciamento como os ciclomotores, que pode dificultar a quem a empresa deve repassar uma eventual multa, visto que mais de um patinete pode estar no mesmo local da possível irregularidade.
Todos esses pontos são novos e merecem entre outros, uma dedicação ao tema. Quem sabe nesse próximo plano a ser aprovado na cidade não seja o Plano das Ciclovias? Ciclofaixas e Ciclorrotas são métodos paliativos, que infelizmente, não melhoram a interação como a Ciclovia e tendem a gerar mais acidentes.
A gestão da engenharia de tráfego é outra questão a ser avaliada. Há três pilares fundamentais conhecidos como 3E, das palavras inglesas: Engineering, Education e Enforcement. Dois desses já descritos, a engenharia da via e a fiscalização. O terceiro e também mencionado na regulamentação está a educação. Educação se aprende com a família, na escola e na sociedade. Esses três pilares são a base para a harmonia dos diferentes modais na cidade em que parte dessa responsabilidade estão sendo transferidas aos locadores digitais de patinete, que deverão atuar na sociedade, em treinamentos para uso inicialmente nos parques, por exemplo, e depois nas ciclovias. Uma das saídas e amparo as locadoras digitais está numa carteira digital de condução de patinete, desvinculado ao CTB, mas uma forma de garantir que o usuário tenha conhecimento de como utilizar o patinete e quem sabe, estar habilitado para essa categoria "digital".
Em suma, essa miscelânea de distribuição de direitos e deveres de cada uma das partes interessadas impacta no inciso XV do Art. 5 da Constituição Federal, do direito de ir e vir, que já não se cumpre em função dos congestionamentos quilométricos e diários, que foram decididos há cem anos!
O que fazer? Estamos engatinhando na melhor saída para mitigar o deslocamento a cada dia da população, o que não podemos fazer é ficarmos parados diante de alternativas e muitas vezes sermos tão restritivos a ponto de inviabilizar uma nova modalidade ativa eletrificada, como já foi feito com o modal bonde em 1968 na cidade de São Paulo.
Luiz Vicente Figueira de Mello Filho: Atua há mais de 20 anos na indústria automobilística com experiência em empresas multinacionais e coordenação das áreas de Engenharia de Produção, Serviços e Pós-Venda. É membro da comissão de segurança veicular na SAE Brasil. Atualmente é Professor e Coordenador do Curso de Engª de Produção do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas e Consultor Associado pela Bright Consulting. É doutorando pela UNICAMP na FEEC, com Mestrado em Engenharia Automotiva pela Escola Politécnica da USP e formação em Engenharia Mecânica e Administração pelo Mackenzie.
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