Neste ano, muito se tem falado a propósito dos 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial, mas pouco de suas reais consequências. Iniciada em 28 de junho de 1914, com o assassinato do herdeiro do Império Áustro-Húngaro, o Arquiduque Francisco Ferdinando (Sarajevo), a hecatombe só encerrou-se em 1918, acarretando no mundo inteiro sérias consequências, profundo desmoronamento de valores morais, graves cicatrizes na civilização cristã.
Naqueles primórdios do século passado, num clima saturado de otimismo, nos faustosos salões, iluminados pelas recém-inventadas lâmpadas elétricas, dançavam-se as valsas vienenses e exalavam-se os melhores perfumes da Belle Époque. Século que assistiu as exposições universais, nas quais grandes invenções foram apresentadas, mas que também presenciou a duas Grandes Guerras Mundiais.
Na capital da “douceur de vivre” [doçura de viver], na Paris de 1900, teve lugar a primeira grande exposição universal. Visitantes de todas as origens, do Ocidente e do Oriente, admirados, lá estiveram prestando suas homenagens aos surpreendentes progressos que a técnica acabara de descobrir.
Nascia a era apoteótica da máquina. Despontava a civilização industrial e o mundo mecanizado, nos quais os homens esperavam poder viver plenamente felizes — a tecnologia resolveria todos as dificuldades, a ciência eliminaria as doenças e, quiçá, até a morte.
Essa concepção de vida é denunciada por Plinio Corrêa de Oliveira em sua magna obraRevolução e Contra-Revolução: “Auto-suficiente pela ciência e pela técnica, [o homem] pode ele resolver todos os seus problemas, eliminar a dor, a pobreza, a ignorância, a insegurança, enfim tudo aquilo a que chamamos efeito do pecado original ou atual. [...] Nesse mundo, a Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo nada tem a fazer. Pois o homem terá superado o mal pela ciência e terá transformado a Terra em um ‘céu’ tecnicamente delicioso. E pelo prolongamento indefinido da vida, esperará vencer um dia a morte” (Parte I, Cap. XI, 3).
Com tal mentalidade entrava a humanidade nessa nova era que prometia “um paraíso na Terra”.E entrava eufórica, como ingressara a tripulação noTitanic — o fabuloso e gigantesco palácio flutuante, o “insubmergível” transatlântico, um símbolo do século XX, que, como o Titanic, por assim dizer, adotara o lema: “Nem Deus me afunda”. O Criador aceitou o desafio, como consequência, o mítico vapor jaz no fundo do oceano...
Como um em raio céu sereno, o citado assassinato do herdeiro do Império Áustro-Húngaro, executado por um anarquista sérvio, foi a centelha da Primeira Guerra Mundial. Teria sido um castigo da Providência? Por quê? Não teria sido pelo fato de ter posto a humanidade mais fé na ciência e na tecnologia do que no Criador de todas as coisas?
Pior que a própria guerra foram suas consequências: o continente europeu foi profundamente abalado por um psy-terremoto que fez tremer o magnífico edifício da civilização cristã e revolucionou os costumes. Apesar do epicentrodesse psy-terremoto ter ocorrido no velho continente, seus efeitos fizeram-se sentir em todo o orbe. No Brasil, por exemplo — que tranquilo vivia até então, tendo como polo de atração a Europa e particularmente Paris —, uma profunda modificação transformou as mentalidades e os modos de ser. Novos “valores” emergiram, os costumes mais tradicionais foram abalados, tudo em nome da modernidade lançada pelos Estados Unidos — a American way of life —, especialmente do cinema, a grande novidade da época. Hollywood passou a ser o novo polo de atração mundial.
O mundo saído das trincheiras da guerra de 1914-1918 era completamente outro. A Europa católica, a grande prejudicada — especialmente o glorioso Império Áustro-Húngaro. As suaves melodias das valsas vienenses foram abafadas pelos grunhidos do fox-trot e pelos ruídos da jazz band, oriundos da América do Norte. Usando linguagem metafórica, em artigo publicado em “O Legionário” (13-5-1945), Plinio Corrêa de Oliveira assim descreve os efeitos do pós-Guerra:“É preciso ter vivido em 1920, ou 1925, para compreender o tremendo caos ideológico em que se debatia a humanidade. A Cristandade parecia um imenso prédio em trabalhos finais de demolição. Não havia o que não se fizesse para a destruir. Aqui, especialistas silenciosos e metódicos arrancavam uma a uma as pedras, desconjuntavam as traves, tiravam as portas a seus batentes, e as janelas a suas esquadrias. Essa faina, que faziam com o mutismo, a solércia e a agilidade de conspiradores, progredia com frieza inexorável, sem perda de um instante, sem desperdício de um segundo. [...] Procuravam com o material roubado à Casa de Deus, construir em suas linhas extravagantes e sensuais, a orgulhosa Cidade do Demônio. Tudo isto não é senão alegoria. E não há alegoria, nem imagem, nem descrição que possa retratar a confusão daqueles dias de pós-Guerra”.
(*) Paulo Roberto Campos é jornalista e colaborador da ABIM.
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