Quase três meses depois de o Conselho de Ética do Senado acatar representação do PSOL, seus integrantes aprovaram na noite desta segunda-feira, por unanimidade, 15 votos, a cassação do mandato do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), por quebra de decoro parlamentar. A votação aconteceu após três horas de leitura do parecer do relator, senador Humberto Costa (PT-PE), que, ao recomendar a perda do mandato do senador goiano, o classificou como "um despachante de luxo" do bicheiro Carlinhos Cachoeira. O relator sustentou em sua peça de 79 páginas que Demóstenes mentiu em discurso, no plenário do Senado, ao afirmar que sua relação com o contraventor era apenas de amizade; que ele utilizava o mandato para defender interesses do contraventor e de sua organização criminosa; e que reconheceu ter recebido presentes e vantagens considerados indevidos, no caso um rádio Nextel e uma cozinha importada.
O processo segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado, segue para o plenário do Senado, onde a votação é secreta e são necessários votos de 41 dos 81 senadores para aprovar a cassação do mandato.
— Tudo posto, é de se concluir que a vida política do senador Demóstenes, desde 1999, gravita em torno dos interesses de Carlinhos Cachoeira no ramo de jogos de azar — afirma o parecer, de 79 páginas. — Seu papel, no que diz respeito especificamente a jogos de azar, não era operacional, mas o de braço político, um facilitador institucional que poderia auxiliar na manutenção e na satisfação dos interesses de Cachoeira. É evidente a atuação do senador Demóstenes Torres como um despachante de luxo do contraventor.
O relator discorre sobre o suposto envolvimento de Demóstenes com lavagem de dinheiro da organização criminosa e com a logística de proteção à ação de Cachoeira. E classifica ainda como “bizarra” a forma como Demóstenes, então secretário estadual de Segurança de Goiás, conheceu Cachoeira:
— Desde logo, verifica-se que essa aproximação não se deu em circunstâncias meramente sociais. Pode-se perceber que, ali, o encontro de ambos se deu em torno de problemas relativos aos negócios de Cachoeira. Perguntado (em depoimento ao Conselho de Ética), o senador Demóstenes Torres respondeu que Carlinhos Cachoeira o procurara com um pleito que eu diria ser bizarro: a repressão aos operadores de jogos de azar ilegais, atuantes no estado de Goiás. A cena evoca, de pronto, o clássico final do filme norte-americano de Michael Curtiz, Casablanca, quando o Capitão Renault manda prender os "suspeitos de costume" e sucumbe ao convite para uma grande amizade.
O relator refutou o argumento de que a relação de Demóstenes com Cachoeira seria apenas de amizade e que ele não teria conhecimento das atividades do bicheiro:
— Não é crível que um secretário de Segurança Pública que antes fora, por duas vezes, o chefe do Ministério Público Estadual, desconhecesse a folha corrida de seu interlocutor.
O senador petista lembrou em seu parecer a postura de Demóstenes antes dessas acusações virem à tona, quando ele pertencia ao chamado grupo dos éticos do Senado e era implacável na cobrança dos colegas:
— Faço esse registro não por sarcasmo ou para demonstrar a ironia da situação, mas sobremaneira porque ouso concordar com o senador Demóstenes em sua anterior postura: o Parlamento é soberano e não podemos deixar que ele fique maculado pelo descuido de membros à missão confiada.
Na conclusão do relatório, Humberto Costa cita a filósofa política alemã Hannah Arendt para rejeitar espírito de corpo no Senado e recomendar a cassação de um de seus pares:
— O Senado Federal não é um sarau de compadres. O Senado é uma conquista da Revolução Americana, uma "instituição duradoura para a opinião".
Uma interpretação do regimento feita pela Mesa Diretora do Senado deve ajudar Demóstenes ao protelar a votação em plenário. O regimento afirma que, depois de aprovado no Conselho de Ética, a CCJ examinará o parecer no prazo de cinco sessões ordinárias. O presidente da CCJ, Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirmou que, segundo a Mesa, esse prazo é de cinco sessões ordinárias deliberativas — ou seja, no máximo contará terças, quartas e quintas-feiras.
— A Mesa entende que são cinco sessões ordinárias deliberativas. Não precisa ter votação, mas tem que ter pauta — afirmou Eunício. De http://oglobo.globo.com/
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