Claudio Julio Tognolli _247 – “Onde estão, nessa altura do campeonato, a Caetana e o Bethanio?”, indagou-se, num restaurante baiano nos Jardins, zona sul de São Paulo, um consultor igualmente baiano. Trocas de gênero e maldades à parte, a indagação conduz a uma inevitável tragédia moral da brasilidade. Afinal, quem ama estrofes ama também catástrofes, notava o finado e refinado ensaísta José Guilherme Melchior. Face a crise da PM e vilanias específicas. Onde estão os epígonos que a Bahia deu de barato nos últimos trinta anos como grandes brasileiros, donos de modelos de vida a serem imitados? Onde estão Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nizan Guanaes, Claudia Leitte, João Ubaldo Ribeiro, Ivete Sangalo, Moraes Moreira, Duda Mendonça? Por que se atocaiaram e não saíram em defesa da terrinha?
No caso dos baianos que gostam de cantar na televisão, como referia Paulo Francis, a explicação é muito clara: quando, no fim da ditadura, a metáfora deixou de ter representatividade na cultura brazuca, lenta e armagedonicamente as letras dos baianos foram perdendo a força – afinal, notou Freud, toda boa arte nasce da repressão. Os baianos que gostam de tocar na televisão se sofisticaram em outras tarefas: na criação de um lobby que defendesse cegamente o desbunde e a confusão de que brasilidade significava, tão somente, baianidade.
O que sobrou disso foi um lobby que este colunista batizou nos anos 90 de “a máfia do dendê”. Em que apaniguados específicos, circunscritos no íntimo da máfia do dendê, deveriam ser protegidos a todo custo. O lobby dos baianos que gostam de cantar na televisão sempre confeccionou cocô achando que o cheiro era secundário ao artefato. Até que começou a vazar pelo ladrão, no final dos anos 90, a lista com os nomes de hordas e hordas de jornalistas demitidos das redações por intervenção dissuasiva e direta de Caetano Veloso, Gilberto Gil et caterva.
Caetano Veloso chegou a se referir a um repórter cuja demissão ele comandou como “um branquinho da Folha de S.Paulo”. Esse lobby chegou ao seu paroxismo de posse do poder quando Gilberto Gil, obviamente, virou ministro da Cultura. A partir dessa época, por exemplo, todo latino que quisesse se apresentar no festival de Montreaux, na Suiça, deveria ser indicado pessoalmente por Gilberto Gil ao organizador Claude Nobbs. Nenhum repórter, nenhuma corregedoria, nenhuma advocacia-geral, nenhum ministério público investigaram a contento a rede de advogados que tinham seus projetos aprovados pela Lei Rouanet e que tinham ligações com o Gilberto Gil ministro e agora com a sua sucedânea, a Ana Hollanda ministra. Paga a pena investigar o assunto. Mas não, obviamente, sem levar sobras.
Diabeticamente verde e amarela, a máfia do dendê e seus vibrantes entusiasmos pela defesa da “baiano-brasilidade” vai se calar, sim, diante da tragédia baiana. Sabem por quê? Por uma questão pura de consciência de classe, como notava o marxista magiar Gyorgy Lukacs. A consciência de classe da máfia do dendê desliza, tecnicamente, para uma espécie de voduísmo, cujos passos são bem conhecidos por quem minimamente conhece como essa gente opera. As práticas dessa classe baiana, incivilizadas ou semicivilizadas, constituem-se das seguintes práticas: repórter que lhes faz oposição não pode mais indicar blogueiro para receber mamatas e sinecuras pecuniárias do Estado; repórter-crítico pode perder atávica e sempiternamente o seu emprego na área de cultura; já repórter que lhes chupa as galhetas (lembrando que em Machado de Assis “chupa galhetas” é ajudante de padre, e só isso), tem passaporte ilimitado junto a grandes artistas da MPB, e por aí vai...
A cultura brasileira sempre foi geograficamente sazonada. Concretista paulistano, artista baiano, contista mineiro, roqueiro de Brasília, roqueiro gaúcho...assim se fez. E os baianos que gostam de cantar na televisão assumiram o lugar, na cultura autóctone, outrora ocupado pelos paulistas de 1922. “São Paulo tem a virtude de descobrir um mel do qual em ninho de coruja, de quando em quando, São Paulo nos manda umas novidades velhas de quarenta anos. Agora, por intermédio do meu simpático amigo Sergio Buarque de Hollanda, São Paulo quer nos impingir como descoberta dela São Paulo o tal futurismo”, notou Lima Barreto.
Lá se vão quase quarenta anos, a baianidade passou a nos legar a tropicália, ora convertida num bando de tropicanalhados silentes, inclusive com os males da própria Bahia. A “baianidad” se cala simplesmente ante as vilanias da greve da PM porque “não para de se comprazer em tomar porres civilizatórios”, como notava Jacinto em As cidades e as serras, de Eça de Queirós. Os baianos que gostam de cantar na televisão não se comprazem mais com os males de sua terrinha graças a sentimentos inextirpáveis, facilmente explicados: que a terrinha se dane. Logo vem à memória, por exemplo, o ex-presidente americano Dwight Eisenhower – que, caipira vindo do interior dos EUA, foi para a Inglaterra pela primeira vez, depois de velho, e jamais voltou a falar “gasoline” – passando a afetar o vocábulo “petrol” ( porque era o jeito chique com que os bretões se referiam ao combustível...) Outro deslumbrado pela civilização era o filósofo Martin Heidegger: um pobre coitado nascido em Meskirch, e que aderiu cegamente ao nazismo porque aquilo era “a civilização novidadeira” que negava, em sua plenitude, as origens humildes de sua terrinha. Definitivamente não temos um gênio como o mexicano Octavio Paz, prêmio Nobel que diante do massacre estudantil da Praça de Tlatelolco, tocado pelo seu governo, (num dia 2 de outubro, mesmo dia do massacre do Carandiru) protestou abandonando o cargo de embaixador na Índia. A Bahia não merece a baianidade que legou a este Brasil – em cujo mapa Stefan Sweig via uma harpa e Lima Barreto via um presunto tresnoitado...A “baianidad” que fez sucesso na vida agora aderiu não só à calcinha –como também ao bloco dos emergentes: a todo o custo.
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