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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Marcadas para morrer

Marcadas para morrerDer Speigel - Ela retirou seu colete à prova de balas e os soldados designados para protegê-la foram embora. Em contrapartida, Nilcilene Miguel de Lima, 45, teve de prometer às autoridades que seu novo destino permaneceria um segredo, e que ela não retornaria à sua região de origem, na floresta Amazônica, onde um assassino contratado a espera para matá-la.
Uma máfia de madeireiros e de pecuaristas pôs sua cabeça prêmio, oferecendo cerca de 8 mil euros (vinte mil reais) para quem der cabo dela. Nilcilene é a presidente da Deus Proverá, uma associação de pequenos agricultores e seringueiros no sul do Estado do Amazonas, zona onde madeireiros e ambientalistas estão em pé de guerra. Miguel de Lima teve a audácia de fazer uma queixa crime contra o desmatamento ilegal nessa região.
Há cinco anos, o governo assentou 300 famílias na floresta para que se responsabilizassem por um dos 21 projetos destinados a promover a exploração sustentável da região amazônica. Essas famílias de seringueiros são também coletoras de castanhas, e cultivam abacaxi, banana e mandioca. “Somos os guardiães da floresta”, diz Nilcilene. As famílias vivem a 42 quilômetros da rodovia federal mais próxima. Não dispõem de eletricidade, a escola que lhes foi prometida ainda não foi construída, carecem de assistência médica e de proteção policial na floresta.
Madeireiros e fazendeiros pecuaristas tiram proveito da inexistência de presença governamental. Eles estabelecem acordos para dividir a floresta em parcelas, falsificam os certificados de propriedade e usam armas para expulsar os pequenos fazendeiros e agricultores. Dezenas de famílias já partiram, abandonando suas casas e roças, ou vendendo tudo a preço de banana para os grandes proprietários. “Nilcilene será morta se voltar”, afirma seu companheiro Raimundo Alexandrino de Oliveira.
Menu de atrocidades
Na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o Brasil quis aparecer como nação moderna, atualizada e em ascensão, e consciente em matéria de meio ambiente. No Dia Mundial do Meio Ambiente, a presidente Dilma Rousseff compareceu a uma entrevista coletiva com um vestido verde, proclamando que a queda do desflorestamento em seu país tinha chegado a níveis históricos.
Mas especialistas garantem que essa reviravolta ambiental brasileira é apenas propaganda. “Depois da conferência, o governo irá implementar um inteiro menu de atrocidades ambientais”, diz Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente. “Ele está sistematicamente eliminando a legislação ambiental que criamos durante os últimos 24 anos”, prossegue Marina.
Oito organizações ambientais e sociais de primeira grandeza juntaram suas forças para levar essas informações ao grande público. Eles acusam Dilma Rousseff de ser responsável pelo “maior retrocesso em política ambiental desde o final da ditadura militar em 1985”.
Uma reforma do código florestal nacional garante anistia a desmatadores ilegais. No futuro próximo, fazendeiros da região amazônica serão autorizados a “limpar” 50% das suas terras em vez dos atuais 20%. Além disso, o governo está providenciando a construção de centenas de represas na região. Isso irá causar a inundação de milhares de quilômetros quadrados, provocando o deslocamento de inteiras aldeias nativas e de estabelecimentos agrícolas.
Rousseff retirou ou diminuiu o poder das agências governamentais para o meio ambiente. Seu governo quer acelerar projetos de grande envergadura, permitir a mineração em reservas indígenas e construir novas estradas. A regulamentação da propriedade fundiária, o maior problema da região amazônica, progride a passo de caramujo. Ao mesmo tempo, fazendas ilegalmente estabelecidas estão sendo compradas e vendidas através da Internet.
As entradas em moeda estrangeira com a exportação de carne bovina e de soja constituem um dos pilares do milagre econômico brasileiro, e isso explica por que a presidente com frequência fica ao lado do poderoso lobby dos fazendeiros. Mas o Brasil nem sequer teria necessidade de criar novas pastagens e áreas de plantio, afirma Marina Silva. “Poderíamos dobrar nossa produção se cultivássemos com maior intensidade e eficiência as áreas já existentes”, completa.
A cultura da impunidade
Destruir a floresta tropical é, no entanto, mais barato e mais lucrativo – especialmente porque no Brasil tais crimes raramente são punidos. A destruição segue sempre o mesmo ciclo vicioso: Primeiro, os madeireiros põem abaixo as árvores mais valiosas; a seguir, arranca-se com tratores ou incendeia-se a vegetação remanescente; semeia-se capim logo após a destruição e, rapidamente, as primeiras cabeças de gado estão trotando por entre os troncos queimados e enegrecidos. Da mesma forma, fazendas de soja avançam cada vez mais para o interior de algumas áreas da região amazônica.
Interpor-se no meio do caminho dos fazendeiros pode ser muito perigoso. No ano passado, 29 pessoas foram assassinadas no Brasil por causa de disputas de terras. “Os crimes não são punidos”, lamenta Francineide Lourenço da organização católica Comissão Pastoral da Terra, em Manaus. Ativistas do Greenpeace só circulam no interior da selva dentro de veículos 4X4 blindados.
Sempre no ano passado, apenas no Estado do Amazonas, 49 ativistas ambientais e pequenos fazendeiros receberam ameaças de morte. Para três deles, inclusive Nilcilene Miguel de Lima, o governo providenciou escola armada.
Nilcilene, mulher pequena, recebe os visitantes numa casa situada a mais de mil quilômetros da sua região nativa. Ela toma sedativos e seus olhos se enchem de lágrimas quando conta sua história. “Eles queimaram minha propriedade”, ela diz, enquanto mostra fotos dos restos da sua casa transformada em cinzas.
Ela fugiu do lugar há cerca de um ano, depois que um matador de aluguel a seguiu enquanto ela corria. O governo designou para ela uma escolta armada da National Public Security Force, um destacamento de forças especiais formado por militares e policiais. Cercada por essa equipe de nove seguranças, ela voltou em novembro, usando dia e noite um colete à prova de balas. “Nós vamos atirar na cabeça dela”, avisaram os responsáveis pela máfia.
Durante sua ausência, os fazendeiros pecuaristas estenderam suas cercas para ainda mais perto de sua propriedade. Como se não bastasse, bloquearam os caminhos de acesso com cercas e destruíram as seringueiras de onde se extrai a borracha.
Mesmo assim, Nilcilene rejeita a intimidação. Toda a sua família sempre se dedicou à extração da borracha, e ela provém da mesma região de Chico Mendes, seringueiro e ativo ambientalista que foi assassinado por dois fazendeiros em 1988, quatro anos antes da primeira grande conferência da ONU sobre meio ambiente ser realizada no Rio de Janeiro. A morte de Mendes desencadeou uma campanha mundial contra a destruição da Amazônia, mas seus assassinos estão novamente em liberdade.
Os seguranças têm medo
Dinhana Nink, amiga de Nilcilene, foi morta a tiros em abril. “Ela tinha um pequeno bar que funcionava também como ponto de troca de informações. Graças a isso, ela conhecia os planos e as rotas dos madeireiros e dos fazendeiros”, diz Miguel de Lima. “Ela queria denunciá-los para a polícia”. Os assassinos de Dinhana chegaram no alvorecer. Quando seu pai a encontrou, horas mais tarde, o filho dela, ainda um menino, estava limpando o sangue do peito da mãe já morta.
Poucos dias depois da morte de Dinhana Nink, um homem armado e em motocicleta tomou posição em frente ao esconderijo de Nilcilene. Seus seguranças se amedrontaram e a forçaram a abandonar novamente a região. “Os madeireiros mataram um bezerro e fizeram um churrasco para comemorar”, diz ela.
Ao mesmo tempo, o desmatamento ilegal e a invasão de terras prosseguem sem ser perturbados. Os fazendeiros penetram em profundidade na região sul do Amazonas, e grandes filas de caminhões carregados de soja roncam seus motores ao longo da BR-364, o último segmento da famosa Rodovia Transamazônica.
Ranchos de fazendeiros de gado e grandes áreas de terra desmatada flanqueiam a rodovia, e esqueletos de castanheiras queimadas são a única lembrança daquilo que, um dia, foi uma floresta tropical. Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, situa-se à beira do Rio Madeira, um afluente do Amazonas. Ela já foi uma pacata cidadezinha da selva. Hoje, muitas dezenas de jipes e peruas 4X4 pertencentes aos filhos dos fazendeiros estacionam todas as noites diante do Bar Broadway, um nightclub local.
A periferia da cidade está apinhada de acampamentos de trabalhadores. Migrantes de todo o Brasil vão para Porto Velho, para trabalhar na construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, duas usinas gigantescas. Por causa delas, milhares de hectares de floresta ao longo do Rio Madeira serão inundados nos próximos anos.
Um caminhão a cada 15 minutos
Em Vista Alegre, a poucos quilômetros da propriedade de Nilcilene, caminhões carregados de troncos de madeira emergem com regularidade da floresta a cada 15 minutos. Cada um deles está acompanhado por uma escolta armada em motocicleta. Os motoristas usam aparelhagem de rádio amador para anunciar sua chegada.
A madeira é processada em tábuas em serrarias ilegais situadas na periferia da cidade. Os pedaços que sobram apodrecem na lama. “Documentos falsos são regularmente produzidos, e com eles a madeira é transportada para o sul”, diz Nilcilene. Os gigantes da floresta terminam sua existência como simples madeira de andaimes de construção na megalópolis São Paulo.
Enquanto isso, cachos de banana apodrecem nas bananeiras plantadas por Nilcilene, ao mesmo tempo em que o mato pouco a pouco toma conta e recobre os restos de sua casa incendiada.
A Anistia Internacional lançou uma campanha mundial a favor de Nilcilene Miguel de Lima, e sabe-se que o governo do Amazonas recebe cartas de protesto vindas de todo o mundo, todos os dias.
Enquanto isso, ela fala ao telefone com seus aliados sempre que pode. E espera a ajuda que virá da distante Noruega. O governo em Oslo colocou 1 bilhão de dólares em disponibilidade para o “Fundo Amazônico”, criado para a proteção da floresta tropical. 

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