Por Cristiane Gercina | Folhapress
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
A Segunda Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) afirmou que a Uber premia ou pune prestadores de serviço como em um jogo de videogame ou reality show. Trata-se da chamada tese da "gamificação".
Com base no entendimento de que os trabalhadores de plataformas estão subordinados à empresa por meio de algoritmos, integrantes da corte reconheceram o vínculo de emprego entre um ciclista e a Uber.
A decisão, do início de outubro, aplica argumento explorado tanto em estudos quanto em decisões judiciais no Brasil e em países da Europa.
Especialistas se dividem. A maioria refuta a fundamentação e diz que esse argumento não garante o direito à carteira assinada e há os que defendem que é preciso analisar caso a caso.
Na tese de gamificação usada pelo TST, os trabalhadores seriam recompensados de acordo com o comportamento. Quem faz o que é determinado pela plataforma é reconhecido, já quem deixa de cumprir as regras pode até ser desligado do "game".
Em nota à reportagem, a Uber nega que haja gamificação nas relações entre a empresa e os prestadores de serviço. Segundo a empresa, não há "punições" nem "subordinação algorítmica". A Uber diz que vai recorrer.
Para a plataforma, a decisão se trata de "tese interpretativa sem qualquer respaldo na legislação e que não se sustenta ao ser confrontada com a realidade".
"A empresa considera que o acórdão da Segunda Turma não avaliou adequadamente o conjunto de provas produzido no processo e se baseou, sobretudo, em posições doutrinárias de fundo ideológico que já foram superadas, inclusive pelo Supremo [Tribunal Federal]."
O caso que chegou ao TST é de um profissional de São José dos Pinhais (PR). O ciclista trabalhou como entregador da Uber Eats entre maio e julho de 2021 até ser descredenciado.
Após perder a ação em primeira e segunda instâncias, o profissional acionou a corte superior. No processo, ele incluiu imagens com os registros diários de corridas, trajetos, horários e valores recebidos.
No relatório, a desembargadora convidada do TST Margareth Costa, que integra a corte em razão da ausência de um ministro, afirma que a gamificação reflete "um repaginado exercício de subordinação jurídica".
Costa recorreu a estudo sobre aplicativos feito pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) intitulado "Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos".
Os pesquisadores Juliana Carreiro Corbal Oitaven, Rodrigo de Lacerda Carelli e Cássio Luiz Casagrande citam no estudo um caso francês no qual a Justiça garantiu o vínculo de emprego a participantes de um reality show que recebiam dinheiro para estar no programa e deveriam seguir as regras do jogo, senão seriam eliminados.
"A subordinação dos dirigidos aos dirigentes cede à ideia do controle por 'stick' [porrete] e 'carrots' [premiação]", afirmam os pesquisadores.
"Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios; aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos são cortados ou punidos."
Costa diz no relatório que o argumento de que o trabalhador pode se desconectar quando quiser inexiste, já que o menor tempo de conexão —ao desligar o aparelho— e a recusa de entregas lhe traziam restrição do fluxo de trabalho, prejudicando seus ganhos.
"Ou seja, a empresa, de forma totalmente discricionária, decidia sobre a oferta de trabalho, o rendimento e até a manutenção ou não do reclamante na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo", diz.
A desembargadora entende que ficou constatado o direito à carteira assinada, além de afirmar no relatório que houve violação ao artigo 6º da Constituição, que trata de direitos sociais como a contribuição à Previdência Social.
Com a decisão, o processo retornará à primeira instância para que se julguem os pedidos do trabalhador.
Segundo a ministra do TST Kátia Arruda, a jurisprudência não só do Brasil, como da Europa, tem feito alusão à questão da gamificação por causa do uso da tecnologia dos aplicativos, com o mínimo de contato humano e ampla automatização.
Para ela, o termo, assim como a expressão uberização, não significa que não haja relação de emprego entre os profissionais e as empresas que controlam as plataformas.
"Essa palavra não significa, por si, a inexistência da relação de emprego, ao contrário, pode até acentuar as formas de controle e exploração dos trabalhadores, daí a urgente necessidade de regulamentação dessas atividades. Como todas as palavras de moda, tem múltiplos significados", afirma.
O advogado especialista em direito do trabalho Luiz Jorge, do Urbano Vitalino Advogados, discorda.
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